SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A população com deficiência no Brasil é de 18,6 milhões de pessoas com dois anos ou mais, segundo a Pnad Contínua 2022, feita pelo IBGE. São milhões de cidadãos que produzem, consomem, pagam impostos, mas ainda precisam lutar diariamente contra o capacitismo -preconceito contra pessoas com deficiência.
O termo, difundido nos Estados Unidos na década de 1980, ainda soa como novidade no Brasil. Porém, nas redes sociais, influenciadores têm popularizado o conceito, ao mesmo tempo que denunciam práticas capacitistas do dia a dia.
Apesar de legislações garantirem direitos às pessoas com deficiência, é necessário avançar na prática, inclusive em relação a expressões linguísticas comumente usadas e que se tornam microagressões para quem as recebe.
O interesse pelo termo capacitismo é recente também no Google. Dados do Trends mostram que as buscas pela palavra começaram a crescer em 2020. A curiosidade foi atiçada quando viralizou um vídeo da atriz Regina Casé explicando frases capacitistas que sua filha, Benedita, recebe por ser surda. O vídeo no seu Instagram soma quase 2,3 milhões de visualizações.
Com quase 1 milhão de seguidores no Instagram, Tik Tok e LinkedIn, a empreendedora social e CEO da iigual Inclusão e Diversidade, Andrea Schwarz, diz que sempre questionou o motivo de não se ver na liderança de empresas, na mídia e na política.
“A todo momento eu recebia um ‘aqui você não pode’, ‘não entra’, ‘esse lugar não é para você’, ‘não vai conseguir’. Comecei realmente a achar que não era para mim, mas não me conformei. Me perguntava: será que desde que eu sentei aqui nessa cadeira de rodas, há 26 anos, a sociedade traçou o meu destino?”
Andrea aprendeu a driblar o capacitismo. “Tenho que ser a protagonista, não a minha deficiência. ´´E a pessoa vem em primeiro plano. A deficiência é parte da minha identidade, mas ela não me define. Tenho outras características, outros interesses.”
A empreendedora saiu pela quarta vez na lista das 500 pessoas mais influentes da América Latina (Bloomberg Línea) e entre os cem maiores influenciadores de RH (RH Summit). “Quero ser admirada pelo meu legado. Ninguém perde no processo de inclusão, todo mundo sai ganhando.”
Para ela, ser uma pessoa com deficiência no Brasil é um redutor de identidade. “É sempre como se estivesse faltando algo. A deficiência tem que ser curada, corrigida, para se atingir uma normalidade. Mas o que é ser normal? Há vários tipos de corpos, não existe um tipo de corpo padrão.”
Para o ator e roteirista Giovanni Venturini, que tem mais de 400 mil seguidores no Instagram, a arte é uma importante ferramenta de combate ao capacitismo.
Ele relata que, no início da carreira aceitou papéis com personagens estereotipados ou ligados ao universo infantil, lúdico, por ser um homem com nanismo. “Eram personagens que não agradavam a mim, mas eram as únicas oportunidades que eu tinha, e precisava entrar no mercado para então combater o preconceito.”
Uma das saídas de que o artista se valeu foi se tornar roteirista e argumentar quando recebia convites. “Conversava com diretores e roteiristas sobre desconstrução de personagens, dava sugestões e, aos poucos, obtive mudanças com esse posicionamento”, conta.
A CEO da Talento Incluir, Carolina Ignarra, faz consultoria de diversidade para empresas e auxilia no recrutamento de pessoas com deficiência. A empreendedora é formada em educação física e há 23 anos ficou paraplégica devido a um acidente. Após três meses, voltou a trabalhar na área em empresas, mas percebeu que, diferente do seu caso, a inclusão não estava sendo feita da forma correta. “A princípio o negócio tinha o objetivo de preparar as empresas para a contratação e treinamento. Mas percebi a necessidade de focar na pessoa, de oferecer a vaga adequada e no seu crescimento.”
Nas redes, ela também aborda questões de capacitismo, mas evitava reclamar ou entrar em atrito. Porém, em 2021, na companhia da filha de 17 anos, precisou ser carregada dentro de um avião.
“Minha filha ficou envergonhada e percebi, a partir daquele dia, que eu precisava agir mais nessas situações. O meu objetivo é que as pessoas percebam que o capacitismo é um comportamento opressor, que o identifiquem e promovam as mudanças.”
O influenciador Ivan Baron tem 1,3 milhão seguidores no Tik Tok, Instagram e Threads. Para ele, o capacitismo ainda precisa muito ser debatido, pois poucas pessoas sabem o seu significado. Ele afirma usar uma linguagem mais popular com seu público, aproveitando muito da ironia, do sarcasmo, do humor para falar sobre capacitismo para um público mais amplo.
“A sociedade no geral é capacitista e reproduz práticas que precisam ser combatidas, mas não com o dedo na cara. A gente pode trazer de uma forma leve, descontraída situações do dia a dia e, assim, as pessoas começam a se identificar, perceber que são capacitistas e que precisam deixar de ser”, diz ele, que foi uma das personalidades que subiram a rampa com o presidente Lula (PT) em sua posse.
EXPRESSÕES E COMENTÁRIOS CAPACITISTAS PARA DEIXAR DE USAR
– Que mancada João sem braço
– Fingir demência
– Está mal das pernas Igual cego em tiroteio
– Retardado
– Parece que é cego
– Colocar o projeto de pé
– Se fazer de surdo
– Aleijado
– Você é um exemplo de superação
– Você é uma inspiração
– É tão bonito (a), nem parece que tem deficiência
– Também evite essas atitudes
– Minimizar, infantilizar, chamar a pessoa no diminutivo, que fofo, por exemplo Se não convive com a pessoa não pergunte o que aconteceu com ela
– Chamar alguém de anão é pejorativo. O correto é pessoa com nanismo
– Não existe pessoa com necessidade especiais, mas pessoa com deficiência
HAVOLENE VALINHOS / Folhapress