Inhotim reflete as diásporas e seus conflitos com Grada Kilomba e Paulo Nazareth

BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS) – À primeira vista, são só blocos de madeira, queimados até ficarem enegrecidos, um atrás do outro. Mas uma caminhada entre as peças, com olhar atento para o poema nelas incrustado, nos leva ao porão de um dos muitos barcos que traziam escravizados da África ao Brasil séculos atrás.

A metáfora fica mais nítida quando entram em cena bailarinos e percussionistas para a performance que a artista portuguesa de ascendência angolana Grada Kilomba, um dos nomes à frente da última Bienal de São Paulo, monta sobre a instalação “O Barco”, que permanecerá por dois anos no Instituto Inhotim, depois de ser exposta em Portugal e no Reino Unido.

Ao longo de 40 minutos, os artistas cantam no limite da respiração e caminham entre os blocos, numa dança sufocante que mais se parece com um contorcionismo, o mesmo que os africanos faziam para tentar sobreviver à viagem transatlântica num espaço em que tinham não mais do que 20 centímetros entre suas cabeças e o teto do porão.

A algumas centenas de metros dali, na galeria Praça, está um amontado de bananas de concreto, cinzas, numa alusão à mineração que tanto já castigou Minas Gerais, como se tivessem apodrecido durante o trajeto até essa Disneylândia dos aficionados por arte contemporânea nos arredores de Belo Horizonte.

Num galpão com as paredes cobertas de bandeiras do Brasil feitas de símbolos de orixás e suas saudações, as frutas ocupam o centro da mostra “Esconjuro”, em que Paulo Nazareth revê suas mais de duas décadas de trabalho. Dentro da galeria, há um grande mapa da América, sobre o qual se lê marco temporal, e suas pinturas de policiais e viaturas atingidas por flechas.

As bananas não estão ali por acaso, diz Nazareth. Elas, que não são um fruto brasileiro, ao contrário do que muitos pensam, cruzaram os velhos continentes desde a Ásia até chegar ao então novo mundo, no que o artista vê como uma representação do percurso da própria humanidade.

De chinelo e uma bolsa de pano que em nada se parece com as vendidas como suvenir do museu, Nazareth, com os pés inquietos, não consegue ficar parado, ao apresentar sua mostra. O artista, que caminhou de Minas Gerais até Miami, nos Estados Unidos, em sua performance “Notícias da América”, nos anos 2000, é ele próprio uma figura em eterno deslocamento.

Na visão dele, as bananas, vistas como produtos, são ainda um espelho da vida daqueles que, como ele, nasceram às margens da sociedade. “Foram como produtos que nossos ancestrais se moveram nas diásporas de África para América”, afirma Nazareth, mineiro de Governador Valadares. “Neste trânsito, às vezes pessoas são barradas nas fronteiras, e muitas vezes só podem entrar em determinados lugares quando são objetificadas e transformadas em mercadoria.”

Disso Nazareth entende. Ele diz ter perdido as contas de quantas vezes foi barrado em aberturas de exposições ou revistado por seguranças e policiais, embora tenha exposto seu trabalho em eventos de prestígio internacional, como a Bienal de Veneza, a mostra de arte contemporânea mais importante do mundo.

É algo que, embora a atinja de maneira diferente, por ser uma acadêmica, sempre vestida de maneira elegante, também interessa a Grada Kilomba e à sua obra. “Quais são os corpos dos quais lembramos e aqueles dos quais nos esquecemos?”, ela questiona. “Quais são os que queremos mostrar e os que queremos esconder?”

Fechando o combo das novidades do Instituto Inhotim está a exposição “Ensaios sobre Paisagem”, na galeria Lago do museu, sobre como nossos deslocamentos moldam a natureza. Participam dela quatro artistas em ascensão —Aislan Pankararu, Ana Cláudia Almeida, Castiel Vitorino Brasileiro e Zé Carlos Garcia.

Assim que põe os pés na galeria, o visitante se depara com o trabalho de Vitorino Brasileiro, que participou com destaque da última Bienal de São Paulo. Ali, ela expõe autorretratos em que incorpora as entidades que habitam a natureza para quebrar a hierarquia entre seu corpo e as matas.

Mais à frente, Almeida fixa no teto grandes tecidos, tingidos com uma multiplicidade de cores e formatos que podem ser vistos ali mesmo no Inhotim, que fica num território de cruzamento entre a mata atlântica e o cerrado.

Há ainda as obras de Garcia, que propõem uma mescla entre a fauna e a flora, com frutas e animais, por meio de esculturas feitas de madeira, e as de Pankararu. Artista indígena, ele usa sua formação em medicina para reinterpretar a paisagem com a qual cresceu, no interior de Pernambuco, pintando células do corpo e grafismos indígenas, principalmente sobre couro de bode.

As reflexões sobre deslocamento, que também são o pivô da Bienal de Veneza recém-aberta na Itália, não deixam de ser, em última instância, algo que atinge o próprio Inhotim, com seu ziguezague de carrinhos de golfe mata adentro pilotados por jovens de Brumadinho atingidos pelos desastres naturais que, se não estivessem trabalhando, teriam dificuldade para adentrar aquele espaço.

“São artistas que discutem assuntos pertinentes para entendermos fluxos diaspóricos, tanto em relação a continentes quanto no próprio Brasil, com um olhar cuidadoso para o processo todo de fazer arte, não só para o fim”, afirma Beatriz Lemos, uma das coordenadoras do Inhotim.

O BARCO, ESCONJURO E ENSAIOS SOBRE A PAISAGEM

Quando Qua. a sex., das 9h30 às 16h30; sáb. e dom., das 9h30 às 17h30; fechado às segs

Onde Instituto Inhotim – r. B, 20, Brumadinho (MG)

Preço R$ 50, grátis às quartas-feiras

Autoria Grada Kilomba, Paulo Nazareth, Aislan Pankararu, Ana Cláudia Almeida, Castiel Vitorino Brasileiro e Zé Carlos Garcia

PEDRO MARTINS / Folhapress

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