BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS) – Ficar doente, ficar sozinho e tsunami foram alguns dos temores elencados por crianças durante uma oficina com Rivane Neuenschwander. Na ocasião, a artista também pediu que os pequenos desenhassem capas de vestir “que pudessem proteger ou acolher seus medos”, ela conta.
Neuenschwander então transformou as palavras e os desenhos das silhuetas das capas em lâminas de retroprojetor. O público que entra em contato com sua nova obra -inaugurada no último sábado no Inhotim- pode brincar com estas lâminas e projetá-las em paredes, partes de uma estrutura dentro da qual se caminha enquanto alto-falantes tocam sons associados ao medo, como portas rangendo.
É uma “brincadeira com a percepção do que é projeção e do que é realidade”, diz a artista, nome central da arte contemporânea brasileira com uma produção que dialoga com o lúdico.
“Alegoria do Medo” faz parte das três novas exposições que o museu próximo a Belo Horizonte acaba de abrir -uma grande mostra com obras compreendendo 25 anos da carreira de Neuenschwander, uma instalação de Rebeca Carapiá feita para o lago no qual está montada e um ambiente de Pipilotti Rist onde é exibido um vídeo filmado por ela nos jardins do Inhotim.
Por abordar uma amostra significativa da produção de Neuenschwander, a mostra da artista é a maior das três. Além de outros trabalhos relacionados ao medo, como um em que crianças rasparam uma tela pintada de branco até encontrar o desenho de um fantasma, a exposição resgata obras de fervor político, outro tema central na pesquisa da artista.
Estão ali, por exemplo, “V.G.T. (Ame-o ou Deixe-o)”, um letreiro mecânico giratório no antigo formato de anúncios de voos em aeroportos onde a expressão “ame-o ou deixe-o” -usada na ditadura militar para sugerir que os descontentes com o regime saíssem do Brasil- aparece embaralhada.
E também uma série de fantoches que encarnam personagens ativos na história recente do Brasil, como o militar, representado por um boneco de dragão, e o antivacina, na forma de um jacaré com um esqueleto ensanguentado dentro da boca.
A arte “é um espaço privilegiadíssimo para poder falar de assuntos espinhosos e problemáticos”, diz Neuenschwander. E também “para a gente poder se divertir um pouco”.
Olhar para a natureza
As outras duas exposições recém-abertas estão intrinsecamente ligadas aos imensos jardins do Inhotim, num olhar cândido para a sua rica botânica. Há cerca de dois anos, a instituição convidou a artista baiana Rebeca Carapiá, nome em ascensão no circuito, para criar uma obra inédita a ser instalada no museu.
Com tempo, recursos e estrutura disponíveis, Carapiá produziu a sua maior escultura até agora, que soma mais de cem metros divididos em diversas peças instaladas no lago e na paisagem ao redor da galeria “True Rouge”, de Tunga. Ela e seu irmão trabalharam por quase três meses junto a serralheiros do museu moldando ferro em formas abstratas curvas, que ficam dispostas sobre a água, como se flutuassem.
“Sou trabalhadora do ferro”, afirma Carapiá, acrescentando que adotar o material em sua prática foi algo natural, dado que seu quarto de criança era dentro da oficina do seu pai.
Chamada “Apenas Depois da Chuva”, a obra surgiu de uma viagem de pesquisa feita pela artista à Serra da Capivara, sítio arqueológico no estado do Piauí. Ela foi até lá em busca de escritas rupestres, mas ao chegar conta ter ficado muito impressionada com “a imensidão daquele lugar, as alturas, a ventania” e as marcas de água nas paredes das rochas.
Os sinais da ausência de água numa localidade hoje semiárida foram determinantes na construção da instalação no Inhotim, diz a artista, natural de numa região suscetível a enchentes na área da Cidade Baixa, em Salvador. “Nasci em cima da água. Meu relacionamento com a água é muito profundo.”
Carapiá conta ainda que parte de suas esculturas -a exemplo de uma em exibição agora no Panorama da Arte Brasileira, em São Paulo- nascem de seus cadernos de escrita e desenho, como uma materialização no espaço do que um dia foi um rabisco ou pensamento.
A terceira mostra do Inhotim apresenta um vídeo gravado pela pioneira da viodeoarte Pipilotti Rist em meio ao verde do lugar, há 20 anos, antes mesmo de a instituição se tornar um museu. São imagens bucólicas, em que a câmera passeia pelos galhos das árvores e uma atriz esmaga uma fruta com o pé, a gosma escorrendo lentamente.
A ação ocorre num universo onírico onde vemos a atriz constantemente em cena, e a maneira como a obra foi instalada na galeria contribui para a viagem do espectador. Deitados em almofadões e travesseiros gigantes, acompanhamos o vídeo num telão da largura do teto, sendo englobados pela sua atmosfera.
Embora o filme, intitulado “Homo Sapiens Sapiens”, estivesse pronto há tanto tempo, ele nunca tinha sido mostrado em Inhotim –sua primeira exibição foi na Bienal de Veneza de 2005, projetado nas paredes de uma catedral. Agora, os curadores Douglas de Freitas e Lucas Menezes pensaram, junto à artista suíça, neste ambiente imersivo, desenhado para envolver o visitante e potencializar o conteúdo do vídeo.
Para Rist, “a mulher é o arquétipo do homo sapiens, não tem homem [no vídeo]”, afirma Freitas. “É um Éden de Evas.”
JOÃO PERASSOLO / Folhapress