BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As universidades federais brasileiras não ficaram paradas nos últimos anos com relação à produção científica que gera patentes, mesmo com reduções sistemáticas de orçamentos nos últimos anos. Mas ainda há entraves importantes para o ciclo de inovação o maior deles é de conexão com o setor produtivo, que, por sua vez, tem baixos níveis de inovação.
O cenário é escrutinado em relatório de auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre o ecossistema de inovação das 69 universidades federais. Obtido pela Folha, o documento aponta limitações da regulamentação, insegurança jurídica por parte dos pesquisadores, restrições quanto a capacidade e recursos institucionais e desafios na própria cultura de inovação das universidades.
“Do ponto de vista dos docentes, há uma deficiência de compreensão dos pesquisadores sobre as demandas específicas do setor produtivo e da sociedade, fato que ocorre também no sentido inverso”, diz o relatório.
No Brasil, a produção científica, passo inicial para inovações com potencial de impacto econômico e social, tem grande dependência das universidades públicas. Cerca de 95% das publicações científicas relevantes são feitas nas instituições federais, segundo o Leiden Ranking, de 2022, que mapeia essas informações.
Os dados analisados não incluem o período mais recente, marcado pela pandemia. De 2010 a 2020, as universidades registraram um aumento de cerca de 400% na produção de propriedade intelectual. A geração de patentes por parte das universidades alcançou 1.788 depósitos em 2020 esse número era de 445 em 2010 e, em 2000, foram apenas 53 registros.
Há, portanto, um avanço nesse quesito, mesmo diante do decréscimo dos recursos voltados às instituições e ao sistema de fomento à pesquisa. Os orçamentos das universidades sofreram enxugamentos na última década, assim como as rubricas de agências de fomento.
Indicadores de transferências de tecnologia, por outro lado, são ruins. Além de apresentar uma tendência de queda nos últimos dez anos, a média do total de transferências por produção de propriedade intelectual é de 3,49%.
Há desigualdade no sistema. Só 20% das universidades federais responderam por cerca de 60% das propriedades geradas. Apenas 29 das 69 instituições realizaram transferência de tecnologia.
Uma das formas dessa transferência de tecnologia, que resultam, por exemplo, em novos produtos e soluções, é a criação de empresas associadas a pesquisadores, as chamadas spin-offs. Somente seis instituições respondem por 74% das spin-offs criadas entre universidade e empresas, segundo a CGU, e 51 nunca geraram spin-offs.
O trabalho da CGU compreendeu análise e cruzamento de dados além de consultas a gestores das 69 universidades e a cerca de 1.400 pesquisadores. Na avaliação sobre esse ecossistema das inovações, o relatório da Controladoria trabalha com a chamada tríplice hélice, modelo que identifica o potencial, com base nas experiências internacionais, da interação entre academia, empresas e governo.
Essas interações e relações “favorecem a formação de um ambiente dinâmico no qual o conhecimento cruzado faz surgir organizações híbridas”, tais como spin-offs e parcerias.
Para cerca de 2 em cada 10 pesquisadores, há dificuldades relacionadas à burocracia para contratação de projetos e realização de parcerias, bem como na realização desses projetos nas instituições. Em 77% das universidades, o tempo para aprovação de projetos foi considerado pelos próprios gestores como passível de redução.
O professor e pesquisador Paulo Barone, que já foi secretário de Ensino Superior do MEC, diz que o relatório evidencia que o problema da inovação relacionada a universidades, institutos de pesquisas e outras instituições envolvidas é que não há uma estratégia clara para esse sistema.
“Não tem uma direção clara, nem as condições, como financiamento, continuadas, uma vez que é muito interrompido”, diz ele, atualmente no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O governo Lula (PT) retomou ampliação das rubricas no orçamento deste ano, mas as instituições cobram pagamento de recursos neste ano e aumento para o próximo ano.
A presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Márcia Abrahão, cita vários fatores de desafios, que vão da falta de conhecimento dos mecanismos dos marcos legais à falta de pessoal técnico especializado para atuar na relação com o mercado. O que dificulta a consolidação dos NITs (Núcleos de Inovação Tecnológica), organizações de assessoria e orientação nos trâmites para a proteção da propriedade intelectual.
“Falta percepção por parte dos pesquisadores acadêmicos da importância da proteção da propriedade intelectual e da criação de empresas com seus estudantes [as spin-offs] para levar para a sociedade os produtos e serviços resultantes das pesquisas, gerando empregos, renda e desenvolvimento econômico e social”, diz ela.
O setor de empresas e indústrias no Brasil não é pródigo no tema da inovação. Os dados sobre a taxa de implementação de inovação nas indústrias no Brasil da Pintec (Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica) revelam um cenário de estagnação nos últimos 20 anos. Essas taxas de empresas que implementaram inovação oscilam entre 31% e 38%, nível distante de países desenvolvidos.
O Brasil se posiciona na 78ª posição dentre os 132 países avaliados quanto à colaboração universidade-indústria para Pesquisa e Desenvolvimento, segundo informações do Global Inovation Index, de 2022, ranking anual de países por sua capacidade e sucesso em inovação capitaneado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual.
“Países que se desenvolveram social e economicamente como França, China e Coreia do Sul têm forte presença de pesquisadores nas empresas”, diz o ministro da CGU, Vinícius Marques de Carvalho, que ressalta que o Brasil tem esse potencial. “São caminhos que dependem, também, da retomada do investimento público nas universidades e na pesquisa, tão duramente impactado nos últimos anos no Brasil”.
A auditoria faz uma série de recomendações. Entre os achados citados, estão a necessidade de aperfeiçoamento da governança do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em especial a integração das políticas de ciência, tecnologia e inovação, de educação superior e industrial.
Questionado, o MEC diz que, entre as ações para lidar com o tema, está a “construção de uma agenda transversal com parceiros governamentais e não governamentais, que inclui revisão de normativos, alinhamento dos objetivos, captação de recursos e busca de investimentos”.
A pasta diz que tem realizado diálogo para a criação de um ecossistema nas instituições, inclusive com organismos internacionais. “Uma das principais parcerias é a realizada com a AGU, para ampliação da segurança jurídica e interpretação uniforme dos normativos vigentes”, diz a pasta.
PAULO SALDAÑA / Folhapress