CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Em 1974, há quase 50 anos, o então prefeito de Curitiba, Jaime Lerner (1937-2021), inaugurava na cidade o primeiro trecho de BRT (Bus Rapid Transit, na sigla em inglês), com cerca de 20 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus de grande capacidade, batizados de canaletas.
De lá para cá, o BRT já representa 84 quilômetros dentro do sistema de ônibus da capital paranaense e se consolidou como exemplo bem-sucedido de transporte de massa entre as alternativas adotadas mundo afora. Apesar disso, a Urbs, empresa responsável pelo transporte de Curitiba e ligada à prefeitura, têm patinado para resolver problemas que há anos persistem no sistema.
Alguns gerados pela própria característica do modelo, como o desconforto e a insegurança enfrentados pelos cobradores que trabalham nas estações-tubo, por exemplo. Outros comuns a uma metrópole brasileira, como o preço do bilhete, o tempo de viagem e o excesso de usuários em determinados horários, em contraponto a uma queda geral do número de passageiros, que passaram a ver vantagem no transporte individual ou a ter menos necessidade de deslocamentos.
Para o professor da UFPR Cassius Scarpin, Curitiba priorizou nas últimas décadas o investimento em tecnologia ligada ao veículo -compra de ônibus elétricos ou híbridos e bilhetagem eletrônica, por exemplo -, em detrimento de estudos sobre mudanças operacionais e de demanda.
“A forma de gestão do transporte público em Curitiba se manteve essencialmente a mesma, com inovações muito pontuais e não tão efetivas”, diz ele. “Lá atrás, quando o BRT foi proposto, eles ousaram, virou um modelo exportado para o mundo. Agora é remendo atrás de remendo.”
Scarpin defende, uma tarifa proporcional ao trecho percorrido pelo usuário, na tentativa de devolver o curitibano para o sistema coletivo. Desde 2015, o número de passageiros tem caído. Entre os motivos estão a pandemia de Covid-19, a popularização de aplicativos de transporte e o aumento do home office.
“Neste contexto, quando o preço da passagem é único, e não proporcional, o ônibus passa a não ser competitivo, principalmente para distâncias pequenas. E aí quem anda de ônibus? Quem anda distância grande. O sistema fica mais caro”, afirma o professor.
O preço da passagem hoje em Curitiba é R$ 6,00, uma das mais altas entre as capitais brasileiras.
Para o presidente da Urbs, Ogeny Pedro Maia Neto, o valor se justifica, entre outras coisas, por conta da integração do sistema de transporte com cidades próximas – dos 29 municípios da região metropolitana de Curitiba, 19 têm conexão direta com o transporte da capital. “Se não fosse integrado, a pessoa teria que pagar duas ou mais passagens”, diz. Ele afirma que a entidade estuda a possibilidade de implementar a passagem proporcional.
Outros fatores que afastam o usuário têm ligação com tempo de viagem e lotação dos ônibus nos períodos de grande pico, mesmo com a queda geral no número de passageiros ao longo do dia.
Embora o BRT tenha sido vendido há 50 anos como um transporte mais veloz, já que opera em corredores exclusivos, ele não escapa dos semáforos, que aumentaram especialmente a partir da década de 1990.
“Tínhamos que diminuir o número de sinaleiros no sistema do BRT. Temos vários pontos de acidente porque a cada 300 metros tem um sinaleiro ou uma conversão”, reclama o presidente do Sindimoc (Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana), Anderson Teixeira. “Isso facilitaria para o operador do ônibus e aumentaria a velocidade do transporte”, defende ele.
Para o urbanista Carlos Hardt, o BRT ainda é considerado um sistema relativamente barato, perto de modelos como o metrô, por exemplo, que não existe na cidade.
“O metrô, sob ponto de vista viário, é uma excelente alternativa, porque não há interferência na superfície, nas rotas, nem em termos paisagísticos, aéreos. Mas há um custo alto na implantação”, compara ele.
O pesquisador aponta, contudo, que faltam estudos aprofundados sobre a viabilidade futura do BRT. “Um sistema de transporte de alta capacidade exige planejamento de longo prazo. Não se faz na gestão de um único prefeito. E isso foi abandonado em Curitiba.”
Sobre a velocidade dos ônibus, a Urbs tem apostado na ampliação do chamado Ligeirão, inaugurado em 2019 em parte do BRT que atravessa a cidade de norte a sul. Ao contrário do ônibus tradicional, que para em todas as estações-tubo do caminho, a nova modalidade só faz paradas nos terminais.
Segundo a prefeitura, ele tem uma capacidade até 25% maior do que a do BRT normal. Os planos são de ampliar a modalidade, mas isso depende de obras.
Em relação a outro problema que interfere na qualidade do serviço, o do excesso de passageiros em determinados horários, a prefeitura tem patinado para encontrar soluções.
“Temos ônibus mega lotados às 7h e o mesmo ônibus com 1% de lotação às 10h. Quem determina a quantidade e tamanho de ônibus, horários, é a Urbs, que utiliza os mesmos critérios há anos, sem flexibilidade. Poderíamos, por exemplo, ter outros tipos de empresa que ofertassem ônibus exclusivamente no horário de picos”, afirma Scarpin, da UFPR.
Uma recente iniciativa da prefeitura para tentar reduzir o número de passageiros no horário de pico ainda não surtiu efeito –um cartão pré-pago ao custo de R$ 240 por 30 dias, que só pode ser usados no período de menor movimento. No primeiro mês, apenas 92 deles foram comprados.
Em dezembro, diante da baixa adesão, o valor caiu para R$ 180. Para a Urbs, ainda é cedo para descartar a ideia.
Um dos problemas identificados há décadas no BRT curitibano tem relação com o ambiente de trabalho dos cobradores, que enfrentam dificuldades nas estações-tubo, cujo desenho virou o símbolo do sistema BRT em Curitiba.
Os locais não possuem banheiros próprios e são parcialmente abertos, sem ar-condicionado. Não protegem no gelado inverno da cidade e são comparados a “estufas” no auge do verão.
A Urbs tem estudado soluções, como a troca dos modelos atuais por uma estação de alvenaria, aço e vidro, que abrigaria banheiro e ar-condicionado.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress