Insegurança e corrupção impactam bem-estar no Brasil, aponta novo índice

SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Qual é a real capacidade dos governos de responder às demandas da população? Um novo índice elaborado por pesquisadores da Fundação Dom Cabral aponta que gargalos relativos ao combate à corrupção e à eficácia da segurança pública derrubam o bem-estar social no Brasil.

O resultado parte de uma avaliação das instituições do país, em campos que vão do Judiciário ao ambiente. A qualidade institucional mostra a capacidade dos governos de promover o desenvolvimento e, com isso, atender às necessidades dos cidadãos, segundo especialistas.

Segurança e controle da corrupção são as áreas em que o Brasil tem o pior desempenho, abaixo de outros países de renda média alta e da região da América Latina.

“São nossos grandes desafios de funcionamento dos governos, muito mais do que outros sistemas como saúde e educação, com déficits de qualidade e de capacidade institucional gritantes”, afirma o professor Humberto Martins, um dos autores do estudo.

Esta é a quinta reportagem da série Profissional Público pela Democracia, que debate temas ligando responsabilidades dos governos e de seus servidores na proteção das instituições, buscando dar respostas a anseios sociais. O especial integra o núcleo editorial Vida Pública, parceria entre a Folha de S.Paulo e o Instituto República.org.

Martins e o também pesquisador Ettore Oriol criaram um Índice de Capacidade Institucional (ICI) para medir o potencial de governos de promover o desenvolvimento socioeconômico. O objetivo era o de suprir a falta de mensurações, com números e estatísticas sobre o assunto.

Foram utilizados dados de fontes como Banco Mundial, ONU e OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre os fatores avaliados, estão accountability, voltada à prestação de contas por parte do Estado, e governo aberto, modelo de gestão que reúne transparência e engajamento com a população.

Os resultados do ICI se relacionam com a responsividade, que é a atuação de um governo para atender às demandas dos cidadãos e elevar a qualidade de vida.

Uma das conclusões foi de que, embora o Brasil tenha receita e gastos superiores aos da média de países de mesma renda (17% e 20%, respectivamente), os níveis de bem-estar são similares. Ou seja, ainda que tenha maior orçamento e investimentos, o Brasil não é capaz de elevar o desenvolvimento da população acima da média dos outros países.

A resposta dos governos também depende de recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Além da boa gestão, a análise considerou a capacidade das instituições, condição necessária, mas não suficiente, para gerar bem-estar.

Na segurança pública, segundo Humberto Martins, um agravante é a ineficiência das polícias, em que fatores como condições de trabalho precárias prejudicam o trabalho. É um quadro relacionado à baixa capacidade institucional, que vai minar a responsividade das forças de segurança.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 colocou o Brasil como o oitavo país com maior número de mortes violentas, com base em dados da Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). O relatório mais recente, publicado em junho deste ano, não divulgou o comparativo atualizado.

No documento, é destacado o papel da gestão pública de responder à onda de crimes, considerado mais importante que o número de agências policiais.

O fato de tratar de aspectos transversais, incluindo desde limitações do Judiciário até questões que envolvem o tráfico internacional de drogas, torna complexa a tarefa de criar uma política pública que resolva o problema, conforme explica Martins.

A corrupção é outro problema sistêmico, visto como associado à cultura política brasileira de governos de coalizão e à ineficácia de órgãos de controle. Assim como na segurança pública, é difícil pensar em uma medida que trate desses entraves, segundo o professor.

Apesar de iniciativas que ajudam no combate à corrupção terem crescido nos últimos anos, com destaque para a LAI (Lei de Acesso à Informação), a análise é a de que ainda é preciso aumentar a transparência ativa das instituições, sem que seja preciso requisitar os dados.

Renata Vilhena, também da Fundação Dom Cabral e presidente do conselho do Instituto República.org, diz que é preciso aprimorar o acesso à informação, que, destaca ela, é uma maneira de acompanhar e cobrar resultados do governo, o que eleva a responsividade.

“Às vezes, a forma como a transparência dos dados é disponibilizada não é muito amigável para o cidadão comum. Já existem vários instrumentos, mas a gente precisa qualificar para melhorar o acesso e incentivar a população de forma mais efetiva”, diz.

MUNICÍPIOS TÊM MAIS DESAFIOS

A maioria dos municípios enfrenta limitações para atender à população, associadas à falta de servidores especializados ou de recursos financeiros. Por isso, tendem a ter uma menor responsividade do que os outros entes federativos.

De acordo com Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV, a capacidade estatal está mais concentrada na esfera municipal, com a maior parte do funcionalismo público.

“Os municípios não estão propriamente estruturados para dar conta de todo esse desafio da complexidade dos problemas do país, muito desigual regionalmente”, diz. “Então, temos vários problemas que não são resolvidos, porque eles precisam de um aporte tanto estadual quanto federal para serem solucionados.”

Segundo Renata Vilhena, há cidades que vivem da transferência de renda dos estados e da União, ou cuja população tem cargos públicos como principal fonte de sustento.

Para solucionar o quadro, o ideal seria pensar em uma governança colaborativa. “No modelo colaborativo, vejo uma saída fundamental, trazendo a união de municípios, com experiências interessantes da academia e do terceiro setor”, afirma.

Na análise do professor Daniel Pinheiro, do curso de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, por muito tempo se olha para o Estado como o grande provedor de serviços, com enorme capacidade de gastos.

Ele afirma que, em momentos em que a economia está relativamente sob controle e com arrecadação aumentando, o Estado passa a gastar, fazendo grandes obras e dando impressão de que estaria tudo bem.

A questão, pondera, é que isso não basta. “Alguns estados e municípios entendem que não é só a questão do recurso financeiro, mas também a questão de capacitação de pessoal”, diz.

EMERSON VICENTE E LUANY GALDEANO / Folhapress

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