Instituto eleitoral do México, alvo de AMLO, precisa de reformas, diz chefe do órgão

CIDADE DO MÉXICO (FOLHAPRESS) – Um episódio de 36 anos atrás traumatizou os mexicanos. Era 1988 e vigorava um clima de que finalmente um projeto diferente daquele que reinava por 60 anos com o mesmo partido no poder podia enfim ser eleito pelo voto popular nas urnas.

O governo estava a cargo de organizar o pleito. À noite, o candidato opositor abria larga vantagem em relação ao governismo. Até que o sistema de transparência de contagem de votos caiu, o que o governo atribuiu a uma falha. Quando a plataforma voltou ao ar, foi anunciada a vitória do candidato de situação. Os mexicanos apontaram fraude.

Foi há mais de um quarto de século, mas ainda é um caso fresco na memória e que desperta desconfiança da população, que teme que alterações no sistema eleitoral possam reduzir uma independência conquistada a duras penas nos anos de retomada da democracia.

“Esse fantasma da manipulação por meio de sistemas de informação é o que pesa sobre os órgãos eleitorais que nem sequer existiam naquela época e geram resistência a oportunidades como as urnas eletrônicas”, diz a presidente do Instituto Eleitoral da Cidade do México, a cientista política Patricia Durán, que fala à reportagem às vésperas das eleições deste domingo (2), as maiores da história do país.

É uma frustração quase pessoal. Durán explica que a capital mexicana já tem tecnologia de urnas eletrônicas prontas para usar nas eleições, mas não obtém autorização do Instituto Nacional Eleitoral (INE), que agrega os institutos locais. Assim, a capital e o resto do país seguem votando com as boletas, as cédulas eleitorais de papel.

Pode parecer muito contraditório para o momento que o país vive que uma autoridade como Durán defenda reformas na autoridade eleitoral. O INE foi alvo de reiterados ataques por parte do presidente Andrés Manuel López Obrador, que deixará o cargo em outubro após seis anos.

AMLO, acrônimo pelo qual é comumente conhecido, tentou mais de uma vez alterar a maneira como opera o INE. Em suma, busca reduzir o orçamento do órgão e fazer com que suas autoridades, os chamados conselheiros, sejam eleitos pelo voto popular. Ele logrou aprovar essa tentativa no Congresso. Mas a Suprema Corte barrou a mudança.

Não contente, o presidente tem um novo plano no mesmo sentido e espera que sua base no Legislativo possa colocar o conteúdo para votação depois que todo o Congresso for renovado nestas eleições. Há expectativa de que a base do governo, que hoje tem maioria simples, consiga maioria absoluta, o que permite aprovar essas mudanças.

Mas Patricia Durán pontua seu distanciamento. “Não creio que uma boa reforma para que avancemos tenha que ser no sentido do que foi proposto até agora. Mas creio que mudanças fazem falta”, afirma ela. “É preciso uma grande análise, que não necessariamente deve ir no caminho do que estão pleiteando, digamos, os exercícios anteriores.”

Suas palavras são cuidadosas não apenas pelo cargo que ocupa, mas pelo timing no qual concede essa entrevista: pouco antes da votação, quando é proibido fazer campanha ou opinar sobre o governo.

Quando fala em reformas, Andrés Manuel López Obrador não está falando da introdução das urnas eletrônicas, por exemplo, como a chefe do órgão na capital mexicana. O presidente, primeiro líder de esquerda do país, diz que a direção do INE opera a cargo da oposição.

Os ataques se intensificaram nestes seis anos de governo, mas também antes em sua trajetória ele os tecia. Ele e seus apoiadores afirmam que houve fraude em 2006, quando AMLO buscava a Presidência e perdeu para seu rival por menos de um ponto percentual.

Hoje os conselheiros do INE, que supervisionam o processo eleitoral e os fundos partidários, são eleitos em um longo processo coordenado pelo Congresso mexicano.

O Legislativo abre um concurso público no qual os aspirantes se inscrevem. Depois, devem passar por provas e entrevistas. Por fim, uma comissão seleciona grupos de cinco aspirantes a cada cargo, e eles são sorteados em uma urna, na “insaculación”.

Opositores ao projeto de AMLO de levar esses cargos à eleição popular, dizem que o peso das máquinas partidárias faria com que houvesse campanha pelos candidatos, que deixariam de ser em tese independentes e teriam dívidas eleitorais com as siglas no poder.

A oposição a esse plano de reforma eleitoral mais de uma vez levou dezenas de milhares de pessoas à praça Zócalo, na Cidade do México, em protestos dominados pela cor rosa, que simboliza o INE.

A campanha de oposição à Presidência, em torno da candidata Xóchitl Gálvez, apropriou-se dessa cor em sua campanha eleitoral estrategicamente.

“Eu praticamente não vi nenhum processo eleitoral ocorrer sem que houvesse modificações no órgão eleitoral”, diz a presidente Patricia Durán. “Sempre vimos uma limitação de nossa atuação, não é de agora. E sendo clara, não é somente o projeto de uma força política.”

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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