Inteligência artificial não é ameaça, mas sim oportunidade para o jornalismo, diz consultor

TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – Na apresentação que encerrou nesta sexta (30) o congresso da Wan-Ifra (Associação Mundial de Editores de Notícias), em Taiwan, o consultor Juan Señor lançou o relatório de inovação produzido anualmente pela entidade, desta vez com atenção quase monotemática para inteligência artificial.

Buscou enfatizar que, mais do que ameaça, IA é oportunidade para o jornalismo explorar novas frentes de receita. “Um terço do que alimenta a IA hoje é Wikipedia e sites corporativos, um terço é academia e um terço é jornalismo”, diz. “Quem está construindo essas plataformas sabe.”

Mesmo assim, acrescenta, “eles abusaram novamente, tomaram conteúdo sem permissão, isso já aconteceu e com o ChatGPT-5, a ser lançado ainda neste ano, vai acontecer de novo”. Diz que sete clientes de sua consultoria estão “reescrevendo seu código para evitar que isso se repita”.

Lembra que foi o que os estúdios de Hollywood já fizeram, assim como a plataforma de música Spotify e a distribuidora Getty Images. Bloquearam seu conteúdo, até fechar a negociação. Señor defende cobrar “o custo das redações e o risco de vida de jornalistas para levar esse conteúdo para o mundo”.

Além do bloqueio de conteúdo, sugere como alternativa “jornalismo com marca d’água”, dizendo já haver alguns exemplos de qualidade. Admite que a tecnologia “ainda está nascente, não chegou lá completamente, embora algumas inovações e muitos trabalhos estejam sendo desenvolvidos”.

Arrisca que o montante de recursos que IA pode gerar seria o bastante para “sustentar todo o negócio” do jornalismo, em parte por ir além e poder “destruir o duopólio” de Google e Meta. “Vai descentralizar a web, a Microsoft vai ressurgir, OpenAI, que é um consórcio, pode evoluir para uma empresa.”

Questionado sobre a relação do jornalismo com as duas big techs de receita publicitária, comentou: “É realmente disfuncional. E podemos estar fazendo a mesma coisa de novo. Temos que acertar desta vez, se não, damos dez dólares em conteúdo e recebemos centavos de volta. É nisso que estamos hoje”.

A situação chegou ao ponto em que, com o Facebook, “o casamento acabou”. Já com o Google “ainda existe uma relação, mas com muito tokenismo”, referindo-se à prática de fazer algo apenas para evitar críticas, no caso, dar a impressão de que os jornalistas estão sendo tratados com justiça.

TACOS DE BEISEBOL

Nos corredores do evento, realizado no Centro de Exposições Taipei Nangang, na região oeste da cidade, houve animosidade entre os veículos e o Google, principal patrocinador e presente em diversos painéis do congresso.

O motivo foi o anúncio pelo Google, na quinta, da decisão de abandonar o compartilhamento de postagens de empresas jornalísticas do Canadá, tanto no serviço de busca como por ferramentas como Google News e Discover, devido a nova lei determinando pagamento por link aos veículos.

Houve espanto entre os editores em Taipei, com um deles, do Globe and Mail, de Toronto, apresentando ao principal executivo para notícias da plataforma, Richard Gingras, a capa da edição de sexta –com a manchete “Google vai remover links de notícias canadenses devido à lei C-18”, como foi nomeada.

Gingras, personagem conhecido de debates jornalísticos como representante do Google, comentou publicamente que já não era recebido nos eventos com “ojigi”, a respeitosa saudação japonesa, mas com tacos de beisebol. Ele repisou que, para a plataforma, a lei torna “impraticável” o uso dos links.

Outro motivo de atrito com os editores, nos bastidores do evento, foi a campanha realizada pelo Google no Brasil contra o projeto de lei 2.620, chamado de PL das fake news, pelo fato de ter envolvido até a sua principal ferramenta, a página de buscas, com texto de ataque à nova lei, que acabou retirada de votação.

NELSON DE SÁ / Folhapress

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