BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) da gestão Lula (PT) se tornou um dos alvos prioritários da investigação da Polícia Federal sobre o suposto órgão paralelo de arapongagem existente no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Investigados que prestaram depoimento na atual fase do inquérito da “Abin paralela” dizem que foram questionados, entre outros pontos, sobre a suspeita de que a atual chefia do órgão de inteligência, sob o governo Lula, tenha tentado obstruir as apurações da PF.
Investigadores dizem acreditar já ter elementos suficientes para indiciar integrantes da agência e buscam angariar mais provas para abastecer o inquérito.
Pessoas a par do caso também não descartam medidas contra a cúpula da Abin nas próximas operações. Uma das possibilidades que a PF tem em mãos é pedir o afastamento de diretores da agência.
Desde a transição, as cúpulas da PF e da Abin de Lula trocam críticas internamente no governo.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, coordenou a equipe de segurança de Lula na campanha. O diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, foi diretor da PF no segundo mandato do petista.
Do lado da PF, afirma-se existir uma espécie de conluio entre a atual e a antiga gestão do órgão de inteligência. Do lado da Abin, fala-se em tentativa do comando da PF de se tornar hegemônica nessa área.
A troca na corregedoria da agência renovou o mal-estar entre as duas instituições.
Corrêa decidiu não estender o mandato da oficial de inteligência Lidiane Souza dos Santos que termina neste mês e escolheu para o cargo o delegado da PF José Fernando Moraes Chuy, ligado ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, relator do caso.
Lidiane foi indicada para o cargo em 2022 pelo ex-diretor da Abin Victor Carneiro, aliado do deputado federal e ex-diretor-geral da agência Alexandre Ramagem (PL-RJ), um dos alvos da PF pela suspeita de arapongagem na gestão Bolsonaro.
Questionado em uma recente entrevista, o diretor-geral da PF disse que desconhecia pedido de cessão de Chuy para a Abin e, de forma espontânea, fez vários elogios à atual corregedora da agência.
“É importante ressaltar, esclarecer muito fortemente isso, a atual corregedora é servidora da Abin e tem auxiliado não só a correção dos processos, junto inclusive à própria CGU [Controladoria-Geral da União], mas também a Polícia Federal, ao contrário do que alguns dizem”, afirmou Andrei.
Em seguida, o chefe da PF completou: “Eu diria, em primeiro lugar, que a atual corregedora é uma pessoa corretíssima, que desempenha seu trabalho. E que eu desconheço formalmente qualquer movimento para que haja uma substituição. Me parece que ela teria ainda mais dois anos à frente da corregedoria, mas isso é uma questão interna da agência que não me compete.”
Nessa mesma entrevista, Andrei disse que não poderia afirmar se houve ou não conluio e se a atual Abin estava ou não “contaminada”.
Nos bastidores, pessoas que acompanham a mudança dizem que o diretor-geral da PF já sabia e havia concordado com a troca, mas que usou o detalhe de ela ainda não ter sido oficializada para elogiar publicamente Lidiane.
Investigadores apontam que um dos principais pontos de sustentação das suspeitas contra a atual gestão seriam informações vindas da corregedora.
Na Abin, o trabalho de Lidiane é alvo tanto de elogios como de questionamentos.
Crítico à troca, a Intelis, sindicato representativo da categoria, decidiu manter a operação padrão em protesto contra a escolha de Chuy mais um delegado da PF na instituição, em detrimento de um oficial de inteligência.
A Intelis diz causar estranheza a decisão da Abin de retirar Lidiane do cargo quando os investigadores da PF afirmam que há “total cooperação”. A associação também aponta potencial conflito de interesses, uma vez que parte dos investigados também é da PF, como Chuy.
“Trata-se de um claro conflito de interesses, uma vez que o indicado é policial federal e oficial da reserva do Exército, e a 4ª fase da Operação Última Milha aponta policiais federais e um militar como figuras chave do esquema”, disse a Intelis, em nota de 31 de julho.
Apesar da defesa feita pelo sindicato, parte dos quadros da Abin aponta que a investigação inicial sobre o software FirstMile (chamada de Correição extraordinária), que estava sob sua responsabilidade, teve conclusões superficiais e não tomou o depoimento de nenhum dos servidores envolvidos no manejo da ferramenta.
Somente após o caso ser revelado pela imprensa, em março de 2023, e já com a nova gestão, foi determinada a instauração de uma comissão de sindicância investigativa e tomados depoimentos dos envolvidos.
A reportagem enviou perguntas específicas à Abin e à PF, mas não houve comentários de nenhuma das instituições.
A atual Abin já foi alvo de busca e apreensão pela PF na investigação em curso. Em outubro do ano passado e janeiro deste ano, os número 3, Paulo Maurício Fortunato, e 2 da agência, Alessandro Moretti, acabaram exonerados em decorrência das investigações.
A PF começou a investigar o caso em março de 2023 após vir à tona informação, publicada pelo jornal O Globo, de que a Abin havia usado durante o governo Bolsonaro o software FirstMile para monitorar ilegalmente a localização de desafetos do governo.
Entre os elementos que fazem a PF ver tentativa de obstrução estão uma reunião entre a atual cúpula da Abin e servidores da agência no início das investigações, ocasião em que, para a PF, teriam sido discutidas estratégias para dificultar as apurações.
Integrantes da Abin afirmam, porém, que na reunião foi debatido principalmente o temor de que os nomes de agentes e também de pessoas ligadas a eventuais operações sigilosas de inteligência viessem a público.
Mais recentemente, a PF também passou a investigar uma reunião fora da agenda ocorrida em junho de 2023, na Abin, entre Luiz Fernando Corrêa e Ramagem.
Nos bastidores, integrantes da Abin negam relação com a investigação, afirmando que a reunião foi um encontro protocolar, uma vez que Ramagem é deputado federal e, na época, integrava a CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso.
JULIA CHAIB, RANIER BRAGON E THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress