RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A investigação sobre os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) conduzida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro tinha como foco, até a Polícia Federal entrar no caso, o suposto envolvimento do ex-vereador Cristiano Girão no crime.
A suspeita era de que ele teria encomendado o homicídio como vingança por seu indiciamento na CPI das Milícias (2008), comandada pelo ex-deputado Marcelo Freixo, de quem Marielle era assessora.
Girão ficou preso por cerca de oito anos após a CPI e retornou ao Rio de Janeiro no início de 2018, meses antes do homicídio da vereadora. Dias depois do crime, saiu da cidade.
Uma série de contradições nos álibis apresentados por ele sobre o dia do crime e as semanas que o antecederam reforçaram a linha na Polícia Civil contra o ex-vereador. Também chamou a atenção dos investigadores uma visita à Câmara Municipal na semana anterior ao homicídio.
O advogado Zoser Hardman, que representa Girão, negou contradições de seu cliente e afirmou que nada foi encontrado após duas buscas e apreensões na casa do ex-vereador.
“Tentaram de todas as maneiras ‘colocá-lo’ no cenário do crime. Ou por incompetência ou para ‘acobertar’ alguém. As delações dos envolvidos, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, apenas comprovaram que Cristiano Girão não possuía nenhuma relação com o caso Marielle”, disse o advogado.
Ao assumir o caso em fevereiro de 2023, a PF refez passos da investigação, desconsiderando as linhas de mando da Polícia Civil.
O novo inquérito concluiu que os mandantes foram os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão. Eles foram acusados com base na delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora. Os Brazão negam terem participado do crime.
A PF também diz que os irmãos contaram com a proteção dos delegados Rivaldo Barbosa e Giniton Lages na primeira fase da investigação, até março de 2019. Eles negam.
Os Brazão foram investigados pela Polícia Civil e pela Promotoria, mas a linha perdeu força após alegada ausência de indícios.
A linha de investigação contra Girão ganhou protagonismo em meados de 2020, sob a condução do delegado Daniel Rosa. Ao pedir a quebra de sigilo contra o ex-vereador, ele descreveu as suspeitas.
A principal se refere à permanência por dez horas numa churrascaria na Barra no dia da morte de Marielle.
Girão afirmou à polícia que esteve no local para se reunir com um empresário de São Paulo para discutir uma parceria no ramo de vestuário.
À polícia o empresário Jefferson de Souza afirmou que a data do encontro foi escolhida pelo ex-vereador, três dias antes. Segundo ele, Girão aparentava muito nervosismo ao longo das dez horas em que ficaram na churrascaria, tendo tratado pouco do negócio.
De acordo com o empresário, os dois deixaram a churrascaria à meia-noite (após a morte de Marielle) e foram para a casa do ex-vereador, onde conversaram por mais tempo. De madrugada, Girão teria pedido a um amigo para comprar uma passagem de avião de última hora para que Jefferson retornasse a São Paulo horas depois.
A suspeita da Polícia Civil era de que a reunião foi realizada apenas para servir como álibi de Girão para o momento da execução do crime.
Segundo relatório assinado por Rosa, o homicídio estava em planejamento desde o dia 7 de março de 2018, quando Marielle divulgou em suas redes sociais a reunião na Casa das Pretas, de onde Lessa a seguiu até o local do crime.
Jefferson disse que a sociedade, de fato, se concretizou. Girão assumiu um cargo na empresa três dias depois, quando foi para São Paulo. A parceria, contudo, durou apenas quatro meses por divergências.
Também levantou suspeitas uma visita feita pelo ex-vereador à Câmara Municipal uma semana antes da morte da vereadora. Em depoimento, ele afirmou que foi visitar o então presidente da Casa, Jorge Felippe, e tentou, sem sucesso, encontrar Chiquinho Brazão.
A polícia também identificou incongruências no relato de Girão sobre seu retorno ao Rio, em janeiro de 2018. Ele afirmou que chegou na cidade para tratamento numa clínica de fertilização para que sua mulher engravidasse. Mas a polícia descobriu que a consulta só foi marcada quando o ex-vereador já estava no Rio.
“Quem viajaria aproximadamente 500 km e só marcaria a tão desejada consulta quase dez dias após a chegada na cidade de destino?”, questionou Rosa, em seu relatório.
Em sua delação, Lessa negou conhecer Girão. A afirmação foi feita no anexo em que o delator fala sobre a acusação de ter matado, em 2014, o ex-PM André Souza, o Zóio, miliciano que tentava tomar do ex-vereador, à época preso, o controle da milícia de Gardênia Azul.
A afirmação do delator contraria a denúncia, segundo a qual Girão encomendou a morte do rival. Lessa disse ter matado o ex-PM por decisão própria, quando Zóio lhe cobrou uma parte do faturamento com máquinas de música que mantinha em Gardênia Azul.
Além de negar conhecer o ex-vereador, ele também desvinculou pessoas ligadas a Girão de crimes que confessou.
Um deles é o ex-policial civil Wallace de Almeida Pires, o Robocop, que teria participado do homicídio de Zóio com Lessa, segundo duas testemunhas. O contato de telefone do ex-policial constava tanto na agenda de Lessa como na de Girão.
Outra testemunha, ouvida no inquérito do caso Marielle, reconheceu Robocop como uma das pessoas que estavam com Girão na churrascaria no dia da morte da vereadora.
O ex-vereador havia negado que Robocop tivesse ficado com ele na churrascaria e disse à polícia que não o via desde 2009. Robocop foi morto em julho de 2019, em crime ainda não esclarecido.
Lessa também tentou desvincular o ex-bombeiro Maxwell Corrêa, o Suel, da morte de Marielle. Ele foi preso em junho do ano passado sob acusação de auxiliar Lessa na preparação da execução de vereadora. O ex-PM, em sua delação, disse que o amigo não sabia do plano contra ela.
Suel e Girão são ex-bombeiros e foram vizinhos de prédio na Barra. Depoimentos apontam atuação conjunta dos dois em Gardênia Azul.
A polícia também suspeitava de uma associação entre Girão e a família do ex-vereador Jerominho, morto em 2022, para a execução do crime. Os dois foram indiciados pela CPI das Milícias e ficaram presos no mesmo período no presídio federal de Porto Velho.
DELAÇÕES COMPROVAM QUE GIRÃO NÃO TEM RELAÇÃO COM CASO, DIZ DEFESA
O advogado Zoser Hardman afirmou que nada foi encontrado sobre Girão mesmo após duas buscas e apreensões em sua casa.
Hardman disse que o ex-vereador foi acusado na morte de Zóio “na tentativa de vinculá-lo ao Ronnie Lessa, mesmo sabendo que estava preso em presídio federal fora do estado na época daquele crime”.
“Mesmo antes da entrada da Polícia Federal, mesmo com todas as tentativas, não conseguiram incluí-lo no caso Marielle. A delação dos envolvidos, Ronnie Lessa e Elcio Queiroz, apenas comprovaram que Cristiano Girão não possuía nenhuma relação com o caso”, afirmou o advogado.
Ele disse que o ex-vereador apresentou documentos que justificavam sua ida ao Rio de Janeiro. “Nunca houve contradição no álibi.”
ITALO NOGUEIRA E BRUNA FANTTI / Folhapress