SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A movimentação de um inquérito sobre a “máfia das creches” na cidade de São Paulo a pouco mais de dois meses das eleições jogou luz sobre a Polícia Federal em meio à disputa eleitoral na capital paulista.
A investigação teve relatório final apresentado na terça-feira (10) com mais de cem pessoas indiciadas e pedido à Justiça de seguimento das apurações em relação ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), com o objetivo de apurar suspeitas de envolvimento em lavagem de dinheiro quando ele ainda era vereador da cidade.
A PF passou recentemente por troca de comando na Superintendência de São Paulo, e o caso das creches tem como titular um delegado que atuou nas investigações que levaram ao indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso da suposta tentativa de trazer um conjunto de joias ilegalmente da Arábia Saudita.
Bolsonaro é o principal cabo eleitoral de Nunes, que disputará a reeleição. O principal rival do prefeito no pleito, empatado com ele nas pesquisas, é o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que, por sua vez tem como padrinho político o presidente Lula (PT), ao qual a Polícia Federal está subordinada.
O esquema investigado pela PF aponta desvios de valores destinados às unidades de ensino infantil na capital paulista.
Em nota nesta semana sobre o prosseguimento do inquérito, a assessoria do prefeito destacou a proximidade com as eleições e citou possíveis erros da PF na investigação.
No campo técnico, a defesa de Nunes critica o fato de a Polícia Federal não ter feito o desmembramento do caso anos atrás para investigar somente os supostos crimes atribuídos ao prefeito e diz que a duração da investigação, iniciada em 2019, é excessiva.
Segundo os advogados, a apuração em separado chegou a ser pedida à Justiça pela própria PF em 2021 e seria mais rápida para mostrar que Nunes não teve participação em delitos, evitando assim que a suspeita se estendesse até o período eleitoral.
De acordo com os autos do inquérito obtidos pela Folha, em 2022 a PF desistiu do desmembramento alegando que o caso já havia sido divulgado pela imprensa e a Justiça havia decidido que não haveria prerrogativa de foro especial em relação a Nunes.
A defesa também sustenta que a PF fez uma análise incorreta dos documentos que foram apresentados por Nunes e que o inquérito deveria ser encerrado em relação ao prefeito.
Procurada pela reportagem, a PF não se manifestou sobre as críticas da defesa de Nunes.
O delegado titular do caso da “máfia das creches”, Adalto Machado, assumiu a investigação em abril de 2022, ainda no governo Bolsonaro.
Ele é respeitado dentro da corporação e já conduziu investigações complexas sobre lavagem de dinheiro e desvios de recursos públicos.
Uma das maiores foi a Descarte, cuja primeira fase foi deflagrada em 2018 como um desdobramento da Operação Lava Jato em São Paulo.
Já no caso das joias de Bolsonaro, Machado foi um dos delegados que colheu o depoimento do ex-presidente em abril de 2023. O policial federal perdeu protagonismo no caso quando a apuração foi transferida para Brasília, sendo que o pedido de indiciamento de Bolsonaro foi assinado por outro delegado, Fábio Shor, no começo de julho deste ano.
Recentemente a Polícia Federal foi alvo de acusações de outros políticos e seus defensores por supostamente atuar com viés eleitoral em relação a investigados.
A defesa do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), criticou nesta semana o indiciamento dele pela PF sob suspeita de prática dos crimes de corrupção passiva e peculato.
Enviado na terça-feira (30) ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), documento da defesa assinado pelos advogados Daniel Bialski, Bruno Borragine, Luís Felipe D’Alóia, Bruna Luppi Moraes e André Bialski, traz afirmação de que o inquérito foi concluído sem que Castro pudesse ser ouvido, o que violaria norma da própria PF, que prevê indiciamentos somente após as oitivas.
“Causou estranheza o fato de que em momento algum, enquanto advogados devidamente constituídos, tivéssemos conhecimento do encerramento das investigações e do indiciamento”, afirmaram os advogados na petição.
A defesa disse que a escolha da PF por não intimá-lo “escancara o viés arbitrário e político do rumo das investigações”.
No último dia 11, o senador Flávio Bolsonaro (PL) foi às redes sociais para dizer que a divulgação de relatório do caso conhecido como “Abin paralela” teve como objetivo prejudicar a candidatura do deputado federal Alexandre Ramagem (PL) à Prefeitura do Rio de Janeiro
Uma semana depois, o ex-presidente Bolsonaro, em manifestação de apoio a Ramagem, afirmou: “Quando se fala em 2026 temos que passar por 2024. Todo aquele que está ao meu lado sofre perseguições por ombrear-se comigo”.
FLÁVIO FERREIRA / Folhapress