SINGAPURA (FOLHAPRESS) – Em Marina Bay, os arranha-céus refletem a luz do sol sobre as águas da baía artificial, enquanto um parque se destaca com árvores altas e jardins exuberantes.
São paisagens que simbolizam a união entre arquitetura moderna e natureza em Singapura, onde a umidade acima de 80% e o calor são suavizados pelo investimento massivo em áreas verdes.
A cidade-estado asiática de apenas 6 milhões de habitantes (cerca de metade da população da cidade de São Paulo) é uma ex-colônia britânica que se tornou independente da Malásia em 1965.
Atualmente um dos maiores centros financeiros do mundo, virou uma referência em sustentabilidade –por uma questão de sobrevivência. Localizado bem próximo à linha do Equador, Singapura é consistentemente mais quente, por exemplo que a capital paulista, com menos temperaturas variáveis durante o ano, tendo uma média anual de 28ºC. Em São Paulo, esse índice é de 20ºC.
Assim como as principais metrópoles do mundo, Singapura teve um rápido processo de urbanização e de crescimento de sua população, sobretudo nas últimas seis décadas –seus habitantes estão espalhados em uma ilha principal e 60 ilhas menores, que compõe um território de 719 km², o equivalente à metade de São Paulo. Também cometeu os mesmos erros que outras cidades globais, sobretudo em construções que limitam o fluxo de vento e retém bolsões de calor.
O fato de ter aquecido o dobro da média global nos últimos 60 anos fez o governo destinar esforços e investimento para reviver espaços verdes e explorar novas possibilidades, como jardins verticais, visíveis em toda parte.
Especialistas apontam que plantar mais árvores e criar espaços verdes é a maneira mais eficaz de reduzir a temperatura de uma cidade. De acordo com Naomi Clara Hanakata, professora do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Design e Engenharia da NUS (Universidade Nacional de Singapura), é nesse conceito que a nação asiática se concentra.
“O desenvolvimento urbano de Singapura exemplifica uma abordagem bastante progressiva em relação à sustentabilidade, equilibrando a vida urbana densa com a necessidade de espaços verdes”, diz ela à Folha. “Outras iniciativas, como telhados e paredes verdes também ajudam a combater o calor urbano, melhorar a qualidade do ar e gerenciar águas pluviais, contribuindo para a resiliência climática da cidade.”
A especialista destaca, ainda, que os projetos arquitetônicos mais recentes de Singapura já nasceram com um conceito voltado à sustentabilidade.
“O [parque] Gardens by the Bay, por exemplo, tem biodomos e jardins verticais, enfatizando o design ecológico e promovendo a biodiversidade. O Supertree Grove [as superárvores] não servem apenas como um marco visual, mas também funciona como um coletor de energia solar e um sistema de coleta de água da chuva”, explica a professora.
A coleta da água da chuva é uma medida necessária diante da escassez de recursos naturais no país. Singapura transformou grande parte de seu território em uma rede de reservatórios de água da chuva. Aproximadamente 90% da área urbana é coberta por canais que abastecem 17 reservatórios.
Além disso, também foi desenvolvido um avançado sistema de drenagem que ajuda a evitar enchentes.
Embora o Gardens by the Bay tenha sido planejado em 2005, quatro anos antes do lançamento do Plano de Sustentabilidade e Eficiência de Recursos, toda a execução do projeto se tornou uma referência no país.
Renovado em 2021 como parte do objetivo de zerar as emissões do país, o plano recomenda a integração de vegetação diretamente nos edifícios, como jardins em terraços e nas fechadas.
A ideia é que as folhagens criem uma espécie de persiana natural, sombreando a estrutura, além de isolar o concreto do calor, reduzindo a necessidade de ar condicionado, embora os aparelhos ainda estejam por toda parte.
A Marina Bay, por sua vez, foi projetada para reduzir o calor de várias construções de uma vez, por meio de uma corrente de água gelada que passa por canos isolados. Isso reduz tanto o consumo de energia como o calor despejado no ar.
O país adota medidas para melhorar a qualidade do ar e reduzir a poluição. O professor Rajasekhar Balasubramanian, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Design e Engenharia da NUS explica uma das estratégias para mitigar a poluição causada pelos carros.
“A vegetação à beira das estradas é apropriadamente projetada, instalada e utilizada em Singapura para mitigar a poluição do ar causada pelo tráfego local. As plantas podem absorver poluentes da atmosfera”, afirma. “Alternativamente, as barreiras de vegetação podem melhorar a dispersão do ar poluído, levando à diminuição das concentrações de poluentes atmosféricos.”
Ainda que seja uma referência global, os modelos sustentáveis adotados por Singapura, contudo, não são de fácil reprodução em outros locais. Entre outros fatores, o país tem tem um sistema político centralizado e é comandado desde a independência pelo mesmo partido, o Ação Popular, de centro-direita.
Denise Duarte, engenheira civil especialista em adaptação climática e professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP (Universidade de São Paulo), explica que Singapura fez uma escolha ao tratar o clima como sua prioridade.
“O investimento em adaptação à mudança do clima deveria ser prioridade em qualquer lugar do mundo, inclusive São Paulo”, diz. “Mas é aquela velha questão, aqui se investe em obras de infraestrutura cinza, como viadutos, estradas, avenidas, enfim, coisas que geralmente dão voto. Por outro lado, costuma se dizer que o investimento em saneamento não dá voto porque não aparece”, afirma a engenheira.
LUCIANO TRINDADE / Folhapress