Isabela Boscov: crítica de cinema brilha em versão influenciadora, sem abandonar estilo ‘sincerona’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se fosse um filme, talvez um título apropriado fosse “A Reinvenção de Isabela Boscov”. Cabe como uma luva na biografia da crítica de cinema que, após décadas trabalhando para grandes veículos impressos do país, como Folha, revista SET e Veja, migrou para as redes sociais e virou uma influenciadora que conquistou uma nova geração de espectadores e inspirou memes, sem jamais mudar seu estilo “sincerão”. Talvez por isso mesmo venha fazendo tanto sucesso.

Em seu canal no YouTube, onde conta com mais de 751 mil inscritos, trechos da crítica do filme “Mobius” –definido por ela como “não tem ânimo nem para ser um desastre”– foram cortados e viralizaram no Twitter. De lá para cá, cada novo vídeo de Isabela se tornou aclamado pela web, com diferentes cortes e memes a partir de suas frases cheias de autenticidade.

Comunicadora formada em Rádio e TV pela ECA-USP, Boscov deu um novo passo recentemente: lançou o programete KlaKet, com episódios mensais lançados pelo canal TikTok. Nele, a proposta é um pouco diferente –dar dicas de filmes e séries, receber convidados (como o ator Jean Paulo Campos, de “Vai na Fé”) e comentar os assuntos que tem viralizado nas redes sociais. Tudo isso em episódios entre 4 e 7 minutos.

Em entrevista por vídeo, ela fala sobre o que a levou a viralizar nas redes sociais, como se sente com a repercussão (“Tenho esse vocabulário colorido”) e, claro, suas impressões sobre alguns filmes e atores, apontando inclusive os seus preferidos da vida toda. Confira:

O que te motivou a ir pro Tiktok?

O Tiktok levantou o meu canal sem eu nem saber o que ele era direito antes (risos). Eu não conhecia, é um aplicativo de outra geração, uma plataforma que eu não saberia explicar na qual parece que tenho um crédito bom, parece que o que eu faço funciona nela.

O que é mais difícil de fazer um programa mensal de tão pouco tempo de duração?

O processo está prazeroso, não tem dificuldade alguma, chegamos em um termo comum que fica confortável para os dois lados em relação ao roteiro. Não quero parecer insincera e falsa, até porque não sou boa atriz, não (risos). Não tenho talento nenhum para atuar, então tem que ter esse conforto, no meu jeito, tem que ser o que conheço e o que me interessa. É prazeroso falar de algo que as pessoas já estão interessadas [o programete usa os trends do Tiktok para complementar o roteiro].

O que desses cortes que fazem dos seus vídeos, dos memes?

A primeira reação foi de susto, diria até de incredulidade, porque… estão interessadas no que falo? O que tem de mais? Eu tenho esse jeito veemente, direto e esse vocabulário colorido, pitoresco, às vezes, e o que posso dizer que é uma gratíssima surpresa, alívio e felicidade.

Alguma vez já se sentiu incomodada? Nunca vi um corte maldoso para ser desagradável sobre alguém ou assunto, pelo contrário, são divertidos e muito espirituosos, com uma imaginação incrível. Me divirto bastante, mas é assustador ouvir sua própria voz em situações completamente inesperadas, andando na rua, e aí ouve no celular de alguém, porque sempre estive do “outro lado do balcão”: nunca fui personagem, sempre fui bastidor. Aí muda tudo.

E quando foi o primeiro clique de que você tinha viralizado?

A certeza do viral foi com a crítica de “Mobius”, em que eu falo “Meu deus, isso deve ser dívida de jogo” (risos). Eu só falei na hora, não pensei nela, e depois, para minha surpresa, vi em bordão, título de matéria de jornal e acabou entrando para o “vocabulário das pessoas” na temporada 2022-2023 (mais risadas).

Não foi de caso pensado? Não, e sei que daqui a pouco passa, as coisas são efêmeras. Não imaginava que as pessoas iam achar essas frases tão bem boladas, mas é meu jeito. Falam: “Meu Deus, que bem bolado”. Gente, eu falo desse jeito desde os meus dois anos, ninguém nem sonhava com rede social, eu falo assim quando ainda tinha telefone para discar… então, por favor, né?!

Das estreias de 2023, “Barbie” foi um fenômeno e, na sua crítica, dá para sentir que você mais gostou do que desgostou. O que ajuda a justificar tanto sucesso?

A gente estava precisando de um filme para tantas gerações diferentes, porque a Barbie é um ícone cultural pop que fala não só com meninas, mas todo mundo. Todo mundo tem uma opinião sobre a Barbie. E o filme tem muito bom humor, é esperto, leve, gostoso de ver e o principal: não é um filme de super-herói.

E estreou no Brasil junto com Oppenheimer, sobre o ‘pai’ da bomba atômica. O que achou? Foi tão legal ter “Barbieheimer” [junção de “Barbie” e “Oppenheimer”] na mesma semana, porque são dois filmes completamente diferentes, principalmente muito distantes de tudo que tem ganhado mais espaço no circuito exibidor na última década. Cinema tem essa capacidade de, por algum motivo, de ser intangível, mas de mobilizar o público no coletivo. Fiquei felicíssima, porque isso veio depois da pandemia, algumas falências, dificuldades e um cenário complicado que se desenhou com a greve dos roteiristas e atores. O cinema pode se renovar e a criatividade vai ser reconhecida.

Algum filme que tenha sido quase uma unanimidade mas você não tenha gostado de jeito nenhum?

Certamente tem muitos casos de o povo amar um filme e você não entender o por quê. Lembro de “Amores Brutos” (2000), de Alejandro González Iñárritu, todos ficaram babando. Eu assisti e pensei: “Já vi isso não sei quantas vezes! O que tem de novo?”. Talvez fosse o dia. Fui ver de novo. Nada. Não senti nada. No fim, você se sente fora da festa. No fim, cada pessoa é tocada de uma maneira.

Quais são os melhores atores e atrizes dos últimos 20 anos?

É difícil, porque, apesar das premiações, atuações não são um torneio. Diferentes atores fazem trabalhos fantásticos que outro grande ator não funcionaria ali. Acredito que tem que ser a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa.

Pode citar alguns nomes?

Da geração mais nova, gosto da Florence Pugh (de “Adoráveis Mulheres”), que é jovem e muito madura; e o Robert Pattinson. Não achava que ele ia se provar como ator. Ele sempre teve carisma, não imaginava alguém tão cheio de recursos e que ia se empenhar em ser o melhor possível. E carisma é aquilo: o ator tem que ter e pode não ter (risos). Mas, agora, falando dessa geração mais antiga, depois dos 80… o Anthony Hopkins. É incrível ele sair com a melhor interpretação da carreira dele agora [em “The Father”, lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator em 2021], é bonito ver isso.

Lembra de algum final ridículo que tenha te marcado?

Acabo de lembrar de uma série recente. É sempre mais decepcionante quando ia tudo muito bem até ali e, de repente, mas que resolução é essa? Foi assim com “The Undoing” [com Nicole Kidman], que tem seis episódios. Eu vi os cinco primeiros, escrevi, porque era muito bacana, interessante, locação, etc… E aí no episódio final, eu só pensava: “Ah, não?! O roteirista fugiu nessa hora? Foi para casa? Foi levar o filho na escola e não voltou?” (Risos).

Qual filme te fez chorar?

Teve um que foi de encharcar a roupa, de passar vexame mesmo: “O Quarto do Filho” (2002), do Nanni Moretti. Eu tive que sair um tempo depois da sala de exibição, de tanto que meu rosto ficou inchado de chorar. Molhou dentro da blusa! Teve ainda “Cafarnaum” (2018) e “Fim de Caso” (1999). Se põe uma criança para sofrer, eu choro muito.

Quais são os filmes da sua vida?

“Ben-hur” (1959), eu assisti com 7 anos em um cinema de bairro em São Paulo, eles tinham aqueles rolos de filme. Eu me senti chacoalhada, foi sensorial demais, desperta a pessoa para o espetáculo. Ah, claro, tem “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), em que vi em uma reprise no cinema. Muitas pessoas se tornaram cineastas por causa dele, então deem uma chance pra ele! E teve “Yojimbo – O Guarda-Costas” (1961), porque foi quando eu descobri o cinema japonês, bem cedo. Mas, assim, tem “Curtindo A Vida Adoidado” (1986)… Se está passando na TV, eu paro tudo e vejo.

E como você avalia o cinema brasileiro? Estamos em um bom momento?

Tem-se feito muita coisa interessante, muita coisa mesmo, mas existe uma parte de público que repete aquilo: “Eu não vejo, eu não gosto!”. Assistam, meus anjos, julguem depois (risos). Digo isso de qualquer filme, qualquer nacionalidade. Assista antes e julgue depois. Tem resistência de parte do público, e é uma pena, porque isso faz com que pessoas não vejam coisas originais. Cinema brasileiro faz filme ruim? Todo mundo faz, todos os países. Mas faz filme bom, muito bom, sim, e filmes que só a gente poderia fazer.

“Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, foi indicado como o representante do Brasil na disputa por uma vaga à categoria de melhor filme internacional no Oscar 2024. Temos chance?

Ainda não pude vê-lo, mas acho que “Pedágio”, da Carolina Markowicz, está circulando. Estava de férias e não consegui ver nenhum desses dois, então não posso opinar. Mas o potencial de um filme é aquele que circula, é esse capital que leva ele adiante. Os filmes brasileiros dificilmente contam com presença em festivais que são importantes. A Academia funciona na base do que tá todo mundo falando.

JÚLIO BOLL / Folhapress

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