Isolado pela seca extrema, ribeirinho morre no caminho de casa no sul do AM

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Antônio Ferreira da Costa, um ex-seringueiro e ex-coletor de castanha, ficou gravemente doente num lugar que perdeu, pouco a pouco, a conexão com o restante do mundo.

Na seca extrema de 2024, quando a amazônia ocidental voltou a ser desafiada até seus limites, o lago Carapanatuba secou e quase desapareceu. Antônio e familiares ficaram ilhados, num isolamento sem precedentes nas comunidades dispostas às margens.

O lago está conectado ao rio Madeira, no sul do Amazonas, por um igarapé que virou um fio d’água. Percorrer o que sobrou do lago, no momento de maior agravamento da seca, leva uma hora. O igarapé, mais três horas. O rio, até Humaitá (AM), mais três horas.

Era esse o percurso que Antônio precisava fazer em busca de assistência médica.

Em 8 de setembro, um domingo, a reportagem da Folha esteve na casa do ex-seringueiro para uma reportagem sobre o isolamento das comunidades. Antônio estava muito fraco, passava o tempo todo numa rede, se queixava de muitas dores. Tinha pés e pernas inchados e nenhum diagnóstico.

O quadro de saúde piorou no dia seguinte. Os familiares deram um jeito de levá-lo até Humaitá na terça (10).

Ele foi carregado em redes até a margem mais próxima, caminhada necessária por causa do sumiço do lago. Depois, colocado sobre o colchão numa embarcação, para o início do longo percurso. Foi recebido na boca do rio Madeira por uma lancha que funciona como ambulância.

O ex-seringueiro foi atendido num hospital público em Humaitá e liberado no mesmo dia sem ver um médico, segundo os familiares. Ficou na cidade até 20 de setembro, quando começou o caminho de volta. Dormiu numa casa flutuante de apoio, na boca do rio e do igarapé, e seguiu viagem pelo penoso percurso até as comunidades. Morreu no caminho, às 8h40. Tinha 75 anos.

Em nota, o Governo do Amazonas afirmou que a gestão do hospital regional é feita pela Prefeitura de Humaitá e que não houve acionamento para transferência do paciente. A prefeitura não respondeu aos questionamentos.

Antônio nasceu numa comunidade no lago Carapanatuba. Trabalhou sempre com seringa e castanha, até a aposentadoria, três anos atrás. Era um dos mais antigos do lugar, onde ribeirinhos vivem de pesca, açaí, castanha e, no caso de alguns grupos mais jovens, do garimpo ilegal de ouro em balsas no rio Madeira.

A sua filha, Edilene Alves, 49, fez um pedido: “Se eu morrer na cidade, pega uma ‘voadeira’ [uma embarcação de pequeno porte] e me leva para ser enterrado na comunidade.” Edilene vive na região. Desde a morte do pai, passa as noites na casa da mãe, Maria Alves, 73.

O pedido de Antônio foi atendido. Damião da Conceição, 54, marido de Edilene, providenciou a feitura de um caixão na própria comunidade, diante das dificuldades de acesso à cidade. Antônio foi enterrado num dos cemitérios em terra firme no lago Carapanatuba.

“Ele escolheu onde queria ser enterrado”, diz Damião. Não houve certidão de óbito, nem há clareza sobre as causas da morte. “Guardar seringa e tirar castanha eram as profissões da vida dele.”

A seca ainda não deu trégua às comunidades. Os níveis dos cursos d’água seguem baixíssimos. Os ribeirinhos esperam o retorno dos níveis do Madeira.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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