Israel começa a bombear água para inundar túneis do Hamas em Gaza, diz jornal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Exército de Israel começou a bombear água do mar para inundar o vasto sistema de túneis construído pelo Hamas na Faixa de Gaza, segundo o jornal americano The Wall Street Journal nesta terça-feira (12). A estratégia, considerada controversa, busca inabilitar as estruturas subterrâneas usadas por terroristas na guerra em curso há mais de dois meses.

Autoridades israelenses mencionadas pela publicação dizem que os túneis têm sido fundamentais para as ações do Hamas nos campos de batalha. Integrantes do grupo se deslocam pelas estruturas subterrâneas e armazenam foguetes e outras munições nos locais. Líderes da organização ainda estariam abrigados e coordenando ataques em espécies de centros de comando no complexo.

Gaza inclui um emaranhado de quase 500 quilômetros de túneis, segundo o Hamas. Militares israelenses relatam que integrantes do grupo usam a estrutura em táticas clássicas de guerrilha para “atacar e fugir”.

O Ministério da Defesa israelense não comentou sobre a tática de bombear água —um porta-voz da pasta disse que as operações nos túneis são confidenciais. A inundação, que levaria semanas, começou no mês passado, após a instalação de bombas e testes feitos pelas forças de Tel Aviv, de acordo com autoridades dos Estados Unidos.

Funcionários do governo Biden manifestaram o temor de que a estratégia possa ser ineficaz e colocar em perigo o abastecimento de água doce no território palestino. Em 2015, o Egito utilizou água do mar para inundar túneis operados por contrabandistas sob a passagem fronteiriça de Rafah, o que suscitou queixas de agricultores em relação a colheitas perdidas, ainda segundo o Wall Street Journal.

Efeito colateral também grave seria arriscar a vida de reféns que continuam em cativeiros na Faixa de Gaza, uma vez que é nesses mesmos túneis que a maioria deles estaria presa. Durante sete dias de cessar-fogo firmado no mês passado, 105 pessoas sequestradas em 7 de outubro foram libertadas pelo Hamas, mas outras 130 ainda estariam sob a mira dos terroristas.

Israel acusa os terroristas do Hamas de se esconderem em túneis construídos próximos a locais sensíveis da infraestrutura civil, incluindo escolas e hospitais. As Forças Armadas de Israel anunciaram em novembro a descoberta de um túnel de 55 metros de comprimento e 10 metros de altura localizado embaixo do hospital Al-Shifa, o maior de Gaza —a facção nega ter usado o local na guerra contra Israel.

Apesar de bombardeios diários contra Gaza, a maior parte dos túneis continua intacta. Por isso, os militares israelenses têm procurado atacar a rede em ataques aéreos e com explosivos, além da estratégia inundar o complexo com água do mar. Os militares ainda usam drones e robôs nas operações subterrâneas.

Diante das ofensivas israelenses a todo o vapor, o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, sob controle do Hamas desde 2007, acusou o Exército de Israel nesta terça (12) de atacar um hospital no norte do território palestino, sob bombardeio desde o começo da guerra.

“As forças de ocupação israelenses estão atacando o hospital Kamal Adwan depois de cercar e bombardear o local durante vários dias”, afirmou o porta-voz da pasta, Ashraf al-Qudra. Os soldados, segundo ele, “estão reagrupando os homens, incluindo os profissionais de saúde, no pátio do hospital”. “Tememos que os prendam ou os matem os profissionais.”

A agência de assuntos humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês) afirma que o hospital “continua cercado por tropas e tanques israelenses”. “Há relatos de combates com grupos armados nas suas imediações por três dias consecutivos”, disse a entidade. Atualmente, o centro de saúde atende a 65 pessoas, incluindo 12 crianças na UTI e seis recém-nascidos em incubadoras.

Além dos pacientes, o local abriga quase 3.000 palestinos que se deslocaram por causa da guerra e aguardam uma operação de resgate sob “escassez extrema de água, comida e energia elétrica”, relatou a Ocha, citando relatos vindos do local.

Civis costumam procurar hospitais para se abrigarem durante um conflito armado, uma vez que esses espaços, em tese, estão protegidos pelas regras do direito internacional que regem situações de guerra.

Os atuais combates que se desenrolam na Faixa de Gaza, porém, não têm poupado profissionais de saúde e hospitais. As tropas israelenses já entraram em outros centros médicos de Gaza nas últimas semanas, como o hospital Al-Shifa, o maior do território.

O próprio hospital tomado nesta terça por Tel Aviv já estava em risco, segundo relatos —na segunda, o prédio foi atingido após combates na área, de acordo com a Ocha. A informação que se tem até agora é que duas mães teriam sido mortas e várias pessoas teriam ficado feridas.

O Kamal Adwan é um dos últimos hospitais em funcionamento no norte de Gaza após o cerco ao território diminuir drasticamente a chegada de água, combustível e alimentos aos palestinos. Tel Aviv também deu seguidos ultimatos para esvaziar toda a área, incluindo os centros de saúde.

Israel diz ter evidências de que o Hamas utiliza a população civil e os hospitais como escudos para túneis, o que o grupo terrorista nega. Casos em que um dos lados da guerra faz uso da proteção dada a hospitais para cometer um “ato prejudicial ao inimigo” suspendem a salvaguarda a esses espaços, embora eventuais ofensivas ainda tenham que fazer distinção entre civis e combatentes.

Procurado pela agência de notícias AFP, o Exército israelense não respondeu até o momento.

O diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, disse nesta terça (12) no X, antigo Twitter, que um comboio de resgate liderado pela entidade ao hospital Al-Ahli foi parado duas vezes em postos de controle no sábado, causando um atraso que levou à morte de um dos 19 pacientes gravemente feridos que eram transportados.

Além disso, um membro da equipe do Crescente Vermelho Palestino, a Cruz Vermelha local, teria sido retirado do comboio, agredido e assediado antes de retornar horas depois a pé, sem roupas e descalço, com as mãos ainda amarradas atrás das costas.

“Estamos profundamente preocupados com as revistas prolongadas e a detenção de trabalhadores da saúde que colocam em risco a vida de pacientes já frágeis”, afirmou Adhanom.

Nenhum representante do governo ou do Exército israelense havia se manifestado sobre as acusações do chefe da OMS.

Também nesta terça (12), o representante da OMS para a Palestina, Richard Peeperkorn, disse que só 11 hospitais de Gaza permanecem parcialmente funcionais —menos de um terço do total.

“Em apenas 66 dias, o sistema de saúde passou de 36 hospitais funcionais para 11 parcialmente funcionais —um no norte e 10 no sul”, afirmou, em entrevista coletiva. “Não podemos nos dar o luxo de perder qualquer instalação de saúde ou hospital”, disse. “Esperamos, imploramos para que isso não aconteça.”

O sul de Gaza não convivia com bombardeios tão intensos até a semana passada, quando Tel Aviv expandiu suas operações após deixar um cenário de terra arrasada no norte.

Nesta terça (12), após tanques e aviões de guerra israelenses bombardearem a região, a ONU disse que a distribuição de ajuda aos moradores foi interrompida devido à intensidade dos combates. Em Khan Yunis, principal cidade do sul, palestinos disseram que os ataques estão concentrados no centro. Um deles disse que parte dos tanques operava na rua onde fica a casa de Yahya al-Sinwar, líder do Hamas em Gaza.

Tawfik Abu Breika, um palestino idoso, disse que seu prédio residencial na mesma cidade foi atingido sem aviso prévio por um ataque aéreo. “A consciência do mundo está morta. Não há humanidade ou qualquer tipo de moral”, disse Breika à agência de notícias Reuters enquanto seus vizinhos vasculhavam os escombros do prédio. “Este é o terceiro mês que estamos enfrentando morte e destruição. Isso é limpeza étnica, destruição completa da Faixa de Gaza para deslocar toda a população.”

Mais ao sul, em Rafah, cidade que faz fronteira com o Egito, autoridades de saúde locais disseram que 22 pessoas, incluindo crianças, foram mortas em um ataque aéreo israelense a casas durante a noite. Trabalhadores de emergência civil estavam procurando mais vítimas sob os escombros.

“À noite não conseguimos dormir por causa dos bombardeios e de manhã percorremos as ruas em busca de comida para as crianças”, disse Abu Khalil, 40, pai de seis filhos. “Não consegui encontrar pão e os preços de arroz, sal ou feijão dobraram várias vezes. Isso é fome”, disse ele. “Israel nos mata duas vezes, uma com bombas e outra com fome.”

O Hamas afirma que 18.412 já morreram desde o início da ofensiva israelense, e quase 50 mil ficaram feridos. O número não inclui desaparecidos.

Redação / Folhapress

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