SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo de Israel afirmou nesta quarta (29) que irá manter presença militar no campo de refugiados da cidade palestina de Jenin após terminar a operação que iniciou na Cisjordânia na semana passada.
“O campo de refugiados de Jenin não será mais o que era. Depois que a operação estiver completa, forças da IDF permanecerão no campo para garantir que o terrorismo não retorne”, disse o ministro Israel Katz (Defesa), em referência à sigla inglesa para Forças de Defesa de Israel.
Questionado posteriormente, o ministério não detalhou o plano, que afronta o arcabouço sobre o qual foi criada a Autoridade Nacional Palestina, a ANP, nos anos 1990. Na Cisjordânia, região dominada pela entidade, desde 1995 há três tipos de áreas: A para controle árabe, B para controle misto e C, para controle militar israelense.
Jenin, uma das maiores cidades da Cisjordânia com cerca de 50 mil pessoas, é uma área A. Na prática, contudo, há anos os israelenses operam na região a bel prazer, sem contudo estabelecer uma presença estatal a ocupação ilegal tem sido patrocinada por Tel Aviv, mas quem a executa são colonos judeus.
A chancelaria da ANP divulgou nota dizendo que considerava a fala de Katz uma “provocação” e instou a comunidade internacional a tentar impedir Israel. França e países árabes vêm condenando a atual operação militar na região.
O campo, que Katz visitava quando deu a declaração, não é um campo há muito tempo. Ele foi fundado em 1953 por refugiados palestinos da guerra de independência de Israel, em 1948, mas hoje é um bairro, pobre e de urbanização caótica.
Lá moram antigos refugiados e seus descendentes, mas também outros palestinos ao todo, cerca de 15 mil pessoas. Há pelo menos dois anos o governo de Binyamin Netanyahu vem apertando o cerco sobre a região, alegadamente para destruir células terroristas abrigadas por lá.
Se não há dúvidas de que grupos como o Hamas, que controlava a Faixa de Gaza até atacar Israel no dia 7 de outubro de 2023, ou a Jihad Islâmica mantém uma rede de militantes imiscuída entre a população civil de Jenin e outras cidades, o impacto das operações vai além disso.
Como a Folha mostrou em outubro, o processo de inviabilização da vida na Cisjordânia está avançado, com ações de Israel espremendo comunidades e tornando o vaivém impossível: ruas são destruídas, postos de controle impedem a passagem de quem vai trabalhar em outras cidades ou no Estado judeu.
O fator subjacente é a política da ultradireita israelense, que é o sustentáculo parlamentar do governo de Netayahu. Com o 7 de Outubro, várias frentes foram abertas para um acerto de contas contra o Irã e seus aliados, como o Hamas e o Hezbollah libanês.
Na Cisjordânia, a tibieza política da ANP, de resto um resultado de anos de divisão entre as lideranças palestinas e a fossilização de seu comando, visto amplamente pela população como corrupto, abriu caminho tanto para o estabelecimento dos terroristas quanto para as políticas ilegais de Israel.
Os assentamentos hoje ocupam pontos onde não poderiam estar, e a ONU sistematicamente denuncia as novas construções. Originalmente, as áreas A deveriam equivaler a 18% da Cisjordânia; hoje há vilas cortadas de suas vizinhas por bloqueios e colônias judaicas.
O cessar-fogo em Gaza, em vigor há duas semanas e meia, possibilitou a ampliação do escopo das ações na Cisjordânia. Em troca de manter o apoio ao governo, a ala radical do ministro Bezalel Smotrich exigiu a inclusão de operações antiterror na região como um dos objetivos de guerra do gabinete de segurança de Netanyahu.
Ato contínuo, colunas de blindados e escavadeiras militares, apoiadas por centenas de soldados e policiais, entraram na cidade e começaram a operação, que empregou drones e helicópteros. Até aqui, ao menos 17 palestinos morreram, e há registros diários, mas decrescentes, de trocas de tiros.
Na véspera, Israel também disse que manterá presença militar indefinida na região que ocupou quando a ditadura de Bashar al-Assad, aliada do Irã, caiu no fim do ano. Contíguo às anexadas Colinas de Golã, o território aumenta o tampão entre o Estado judeu e os sírios, agora comandados por extremistas muçulmanos.
No Líbano, os israelenses decidiram não respeitar o prazo de retirada do sul do país, acordado para o domingo passado (26) com Beirute no escopo do cessar-fogo com o Hezbollah em novembro. Todos se acusaram e houve mortes, e por fim foi dado até 18 de fevereiro para que o Exército libanês ocupe as posições hoje com Israel.
Tudo isso ocorre em um momento de inflexão nos conflitos do Oriente Médio, que coincide com a chegada de Donald Trump ao poder nos EUA o mais poderoso ator da região.
O republicano já sugeriu o que chamou sem muitos pudores de de limpeza de Gaza, com a retirada da maioria da população e seu exílio em locais como Jordânia e Egito.
Na terça (28), ele fez de Netanyahu o primeiro chefe de governo estrangeiro a ser convidado à Casa Branca desde sua posse, na segunda retrasada. Se o cessar-fogo em Gaza foi precipitado por pressão de Trump, agora ele dá uma mostra inequívoca de prestígio ao aliado, independentemente do que será discutido.
IGOR GIELOW / Folhapress