SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As Forças de Defesa de Israel (IDF) invadiram o maior hospital da Faixa de Gaza, o Al-Shifa, na madrugada desta quarta-feira (15), noite de terça (14) no Brasil. Os militares dizem que o local era usado como base de comando pelo Hamas, o que o grupo terrorista nega.
Ao longo da quarta, diferentes porta-vozes militares de Israel disseram ter encontrado armas e infraestrutura provando que o local era um centro importante para ações militares, escudado pelos seus milhares de pacientes. Não foram apresentadas evidências disso até aqui.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) condenou a ação, que considerou “inaceitável”. “Hospitais não são campos de batalha”, postou no X (ex-Twitter) Thedros Adhanom, chefe da OMS (Organização Mundial da Saúde). Não houve relatos, após informações desencontradas, de confronto dentro da unidade.
Trata-se de uma das mais delicadas ações do Estado judeu desde que ele iniciou a guerra para destruir o Hamas que promoveu no dia 7 de outubro o maior ataque terrorista dos 75 anos de história israelense, matando ao menos 1.200 pessoas e tomando 240 reféns. “Não há lugar em Gaza que nós não possamos chegar, nenhum abrigo para os assassinos do Hamas”, disse o premiê Binyamin Netanyahu.
A retaliação tem sido brutal, com sua proporção sendo condenada pela ONU e colocada em dúvida até por setores do governo americano, maior aliado de Tel Aviv. Os palestinos pararam de contar os óbitos nesta terça, devido a falhas de comunicação, mas falavam em cerca de 11,2 mil mortos até então.
“A operação é baseada em inteligência e necessidade operacional. A ação não quer machucar pacientes, equipes médicas ou os cidadãos que estão no hospital”, afirmou Daniel Hagari, o porta-voz militar das IDF. Segundo a OMS, no domingo (12) havia cerca de 1.500 refugiados, 600 pacientes e 500 médico se funcionários no local.
Pouco antes, às 2h (21h no Brasil), o Exército afirmou no X que conduzia “uma operação precisa e focada numa área específica do Hospital Al-Shifa”. Elas afirmaram ter equipes médicas que falam árabe para operar o local e disseram ter dado 12 horas para que o Hamas se rendesse ”infelizmente, eles não o fizeram”, completava o texto.
Segundo testemunhas, cujos relatos não foram comprovados, seis tanques invadiram o complexo e cerca de cem soldados, uma ala do local. Na quarta, num esforço para comprovar suas intenções, as IDF divulgaram fotos e vídeos de caixas identificadas com cartazes em inglês como sendo de suprimentos médicos sendo entregues ao local.
Nos últimos dias, Hagari e outros oficiais sustentavam que o hospital mantinha terroristas do Hamas em suas dependências, além de abrigar um centro de comando militar do grupo palestino que comanda Gaza desde 2007. Esse centro fica, dizem as IDF, em túneis abaixo do prédio.
Na terça, a Casa Branca disse ter confirmado o relato de Tel Aviv. O Hamas e o hospital, que é gerido pelo grupo, afirma que isso é propaganda do Estado judeu. O ônus de provar a acusação está agora com os militares israelenses. Segundo relatos da imprensa em Tel Aviv, cinco membros do Hamas teriam sido mortos no começo da ação, mas não há confirmação independente.
É fato notório que o grupo se imiscui entre civis e suas estruturas como forma de se proteger dos bombardeios mais pesados de Israel, que por sua vez o acusa de usar escudos humanos. Mas uma explosão atribuída antes por Tel Aviv aos palestinos junto ao prédio foi apontada como sendo israelense em uma investigação do jornal The New York Times.
O Al-Shifa começou a ser cercado no final da semana passada por tanques, e há registro de combates junto a seus portões. Boa parte de seus então estimados 2.000 pacientes deixou o local rumo ao sul da Faixa de Gaza, área em que há bombardeios, mas não ainda uma operação terrestre como a que isolou o norte do território.
A ação começou no dia 27 de outubro e, segundo a ONU, 200 mil pessoas deixaram o norte da região desde então. Antes da guerra, toda o território palestino tinha 2,3 milhões de habitantes, 600 mil só na capital, a Cidade de Gaza. Muitos já haviam ido para o sul após ultimato israelense, inclusive o grupo de 32 brasileiros que foi repatriado na segunda (13).
Sem especificar detalhes, Hagari afirmou que Israel irá transferir material médico, comida e incubadoras para bebês na sequência da operação militar. Um dos médicos do local, Ahmed El Mokhatallali, afirmou à rede americana NBC que 3 dos 39 prematuros que estavam sob cuidados intensivos já morreram desde que o cerco ao local começou.
“A ocupação [Israel] nos informou que atacaria em minutos”, disse à Al Jazeera o porta-voz do Ministério da Saúde do Hamas, Ashraf al-Qidra. Depois, o grupo afirmou no Telegram que “culpava a ocupação e o presidente [americano, Joe] Biden” pela ação no hospital, antevendo “um massacre”.
Antes, houve combates e cerco a outras unidades hospitalares de Gaza. A OMS diz que 20 dos 36 principais centros de saúde do território estão inoperantes, incluindo o Shifa (a cura, em árabe). O hospital também serve de abrigo para milhares de refugiados, e nesta terça o centro anunciou ter aberto uma vala comum para enterrar mortos em seu terreno, já que seu necrotério está lotado.
A crise humanitária é o maior calcanhar de Aquiles político de Israel, mas, diferentemente de outras duas grandes operações em Gaza (em 2009 e em 2014), desta vez tudo indica que Tel Aviv está disposta a repetir a reação ao ataque da Guerra do Yom Kippur, em 1973, e ir até o fim de seu objetivo declarado.
Como há 50 anos, quando Síria e Egito lideraram uma não antevista invasão dupla do país, houve uma falha brutal de inteligência de Israel ao não prever o ataque do Hamas.
O Shifa é a cereja do bolo para os militares israelenses, que já tomaram prédios governamentais como o Parlamento de Gaza e diversas unidades do chamado “distrito da segurança”, que concentrava centros de operação do Hamas na capital homônima da faixa.
IGOR GIELOW / Folhapress