Israel mata centenas e desaloja milhares no Líbano; Hezbollah revida

TEL AVIV E JERUSALÉM, ISRAEL (FOLHAPRESS) – Naquilo que se configura como uma guerra aberta entre Israel e o Hezbollah, o Estado judeu fez o maior e mais mortífero ataque contra o grupo libanês desde que Tel Aviv colocou a estabilização de sua fronteira norte como prioridade da guerra que trava na Faixa de Gaza contra os palestinos do Hamas.

Durante a madrugada desta segunda (23, noite no Brasil), as Forças de Defesa de Israel fizeram o maior bombardeio contra o Líbano na guerra, matando ao menos 356 pessoas e ferindo 1.246, segundo o Ministério da Saúde em Beirute.

Ao menos 26 mil pessoas saíram de suas casas. “Eu tenho uma mensagem para o povo do Líbano: Israel não está em guerra contra vocês. Está com o Hezbollah”, disse o premiê israelense, Byniamin Netanyahu, antes de reforçar a ameaça de que todos correm risco se estiverem em edifícios próximos de estruturas do grupo fundamentalista aliado do Hamas.

Ao todo, foram atingidos 1.100 alvos no Líbano, inclusive no vale do Bekaa, que vinha sendo poupado e fica distante da fronteira conflituosa, e na capital, que sofreu seu segundo bombardeio em menos de uma semana.

Segundo o Hezbollah, um dos ataques secundários, já na noite de segunda, tentou matar um de seus líderes, Ali Karaki. O grupo diz que ele está bem.

As IDF, como as forças israelenses são conhecidas por sua sigla inglesa, divulgaram imagens de um míssil de cruzeiro sendo preparado para lançamento de dentro de uma casa no sul do Líbano, só para ser destruído. Agora, ameaçam fazer isso em todo o país, o que levou ao êxodo na região sul do país.

A segunda registrou o maior número de mortos libaneses em ataques desde a guerra civil no país, que durou de 1975 a 1990. O conflito teve entre seus capítulos a invasão israelense do sul do país, para caçar a liderança palestina ali exilada, e uma ocupação que derrubou o governo e ajudou a dar à luz o Hezbollah, em 1982.

“Estamos aprofundando nossos ataques no Líbano. As ações continuarão até alcançarmos nosso objetivo de devolver os residentes do norte com segurança para suas casas”, disse o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, em um vídeo.

O objetivo foi incluído nas prioridades da guerra entre Israel e o Hamas na semana passada por Netanyahu.

No mesmo dia, começaram as espetaculosas ações de explosões de pagers e walkie-talkies de membros do Hezbollah, seguidas por um duro bombardeio que matou comandantes militares do grupo, bancado assim como o Hamas pelo Irã, arquirrival de Israel e dos Estados Unidos.

Washington, aliás, enviou mais tropas ao Oriente Médio devido ao aumento da tensão, disse o Pentágono nesta segunda, sem dar mais detalhes.

“Por muito tempo, o grupo tem usado vocês como escudos humanos, colocando foguetes e mísseis em sua sala de estar, em sua garagem. Eles são direcionados às nossas cidades, nossos cidadãos”, disse o premiê à noite (tarde no Brasil).

“Começando nesta manhã, as IDF alertaram vocês a ficar longe do perigo. Eu peço a vocês: levem esse aviso a sério.”

O Hezbollah, atordoado pelo que Netanyahu chamou de maior revés de sua história, reagiu como de costume: com lançamentos de foguetes, mísseis e drones. Desta vez, contudo, não se limitaram à região norte de Israel, casa dos cerca de 80 mil refugiados que o governo promete devolver a seus lares.

No final da tarde (fim da manhã no Brasil), os alertas de ataque aéreo passaram a se multiplicar na região central, perto de bases aéreas no centro do país. Segundo observadores militares, houve também ao menos um míssil lançado do Iraque por militantes pró-Irã.

Os alertas assustam moradores de outras áreas, que acompanham os avisos por meio de aplicativos de celular. “Vou correr pegar meu filho na escola antes que comece a tocar por aqui”, disse à reportagem Gideon Sharon, morador de Tel Aviv. Ao fim, deu tudo certo.

No aeroporto principal do país, no qual a Folha desembarcou no meio da tarde, o clima era de calma tensa. Havia poucos aviões e quem chegava era orientado a deixar o prédio sem maiores delongas. No caminho para Jerusalém, havia um carro de polícia aqui e outro ali.

“Tenho família em Haifa (norte). Eles já estão combinando de vir para cá passar uns dias”, disse Sharon, que trabalha em um hospital perto de Jaffa, a cidade-irmã de Tel Aviv.

A espiral de violência ameaça engolfar o Oriente Médio em um conflito mais amplo, mas o Irã, grande fiador do Hezbollah e do Hamas, está em uma situação complexa. Fragilizada politicamente e na economia, a teocracia até aqui mediu todas suas escaladas em relação a Israel na guerra.

Só atacou diretamente uma vez, com centenas de mísseis e drones numa ação inédita, mas ela foi inócua ante as defesas de Israel, EUA e aliados. Mesmo com a morte do líder do Hamas enquanto visitava Teerã para a posse do novo presidente, ainda não houve uma retaliação clara.

Como muitos esperavam, ela pode vir por meio de seu mais poderoso preposto, o Hezbollah, que comanda talvez 60 mil soldados treinados e tem ao menos 160 mil mísseis e foguetes, 30 mil deles de alta precisão, segundo avaliação da inteligência israelense. A última grande guerra dele com Israel acabou num empate precário, em 2006.

Ao atacar primeiro, contudo, Tel Aviv tirou a iniciativa do grupo libanês. Resta saber se Netanyahu se satisfará com uma eventual retirada do Hezbollah para a linha determinada pela ONU para criar um tampão desmilitarizado entre os dois países —e nada indica também que os libaneses estão dispostos a isso.

Após as ações, o primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, pediu que a ONU e a comunidade internacional pedissem uma desescalada. “A agressão persistente de Israel contra o Líbano é uma guerra de extermínio em todos os aspectos, um plano de destruição que busca pulverizar os povos e cidades libanesas”, afirmou.

A situação fez a Jordânia suspender os voos operados por companhias aéreas do país com destino a Beirute.

Nesta quinta, Israel voltou a operar de forma tecnológica. Segundo o chefe da telecom estatal Ogeo, Imad Kreideih, 80 mil moradores receberam avisos para deixar suas casas no país por meio de um sistema de ligações automáticas. Rádios também foram hackeadas e transmitiram tais ordens, elevando o grau da guerra psicológica.

Moradores relatam medo e tensão constante. Como dissera na véspera o secretário-geral da ONU, António Guterres, há o risco de o Líbano virar uma nova Gaza —onde mais de 41 mil pessoas morreram na guerra disparada pelo terrorismo do Hamas.

IGOR GIELOW / Folhapress

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