SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As forças de Israel irão promover uma campanha aérea para tentar destruir o arsenal de mísseis balísticos e as armas químicas da Síria, visando evitar que elas caiam nas mãos de terroristas jihadistas que participaram da derrubada do regime de Bashar al-Assad.
Após 54 anos, a ditadura da família Assad caiu neste domingo (8), vítima de um avanço fulminante de 12 dias de forças lideradas pela HTS (Organização para a Libertação do Levante, na sigla árabe), um grupo egresso da rede terrorista Al Qaeda.
No próprio domingo, aviões de ataque israelenses atacaram depósitos de armas químicas na região de Damasco, a capital síria. Ao longo de seu regime de 24 anos, particularmente nos 13 anos de guerra civil, Assad empregou essas armas proscritas contra os rivais.
Nesta segunda (9), o ministro Israel Katz (Defesa) disse que suas forças irão mirar “armas estratégicas pesadas em toda a Síria, incluindo mísseis terra-ar, sistemas de defesa aérea, mísseis terra-terra, mísseis de cruzeiro, foguetes de longo alcance e mísseis costeiros”.
O chanceler Gideon Saar disse que seu país não tem interesse nos “assuntos internos da Síria”, mas sim em proteger israelenses. “É por isso que atacaremos sistemas estratégicos, por exemplo as armas químicas ou mísseis e foguetes de longo alcance remanescentes, para que não caiam nas mãos de extremistas”.
Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), Assad tinha um variado estoque de mísseis, foguetes e lançadores de origem soviética, e talvez algum material russo mais recente. Os mais perigosos para Israel são os modelos balísticos de alcance até 500 km. Mas é incerta a condição desse arsenal após a guerra civil.
Com isso, o Estado judeu busca enfrentar o efeito colateral mais óbvio de sua campanha contra os adversários regionais apoiados pelo arquirrival Irã, uma guerra disparada pelo ataque do Hamas palestino em 7 de outubro de 2023.
O desmantelamento do grupo terrorista da Faixa de Gaza e, a partir de setembro deste ano, do seu aliado Hezbollah libanês, deixou Assad e o Irã expostos. A Síria servia de elo terrestre entre Teerã e seus prepostos a oeste, sendo rota de contrabando de armas por anos.
Nesse sentido, a queda da ditadura é mais do que bem-vinda em Tel Aviv. O problema é que, como ocorreu na Líbia, o vácuo de poder após o fim de um regime opressor pode levar à proliferação de ameaças diversas.
Como a HTS tenta se vender moderada, mas tem DNA terrorista e é assim classificada no Ocidente e até pela ONU, não é desprezível o risco a Israel. Não tanto por sua liderança, que parece teleguiada pela Turquia, mas nas inúmeras facções que disputam o poder interno de forma incerta.
O Estado judeu tem uma fronteira desmilitarizada por acordo internacional desde 1974 com a Síria, resultante da anexação feita por Israel das Colinas de Golã em 1967. O território de 400 km2 é nevrálgico, e tem a presença de uma força da ONU.
Saar disse que uma “força limitada e temporária” de soldados está sendo posta na área, onde escavadeiras militares israelenses romperam cercas nesta madrugada. O Egito condenou a ação, dizendo que ela visa “mais ocupação de terras sírias”.
Enquanto isso, no Líbano, onde ainda está vigente o frágil cessar-fogo entre Tel Aviv e o Hezbollah, quatro soldados israelenses foram mortos no sul do país ao desarmar explosivos da agremiação em um túnel nesta segunda.
A queda de Assad gerou um curioso reposicionamento entre os aliados de Teerã. O Hezbollah falou que a Síria vive um momento perigoso, enquanto o Hamas congratulou “o povo sírio por alcançar seu desejo de liberdade e justiça” e pedindo a manutenção de apoio à causa palestina.
O dilema israelense não é muito diferente da expectativa mundial acerca do futuro pós-Assad, que fugiu com a família para Moscou. O temor de um surto terrorista é visível.
Nesta segunda, a chancelaria alemã disse que tinha esperanças de que o jihadismo, ou seja, a guerra santa em bases islâmicas, da HTS estaria circunscrita ao território sírio. Também lembrou que a região de Idlib, que era governada pelo grupo, “não é exatamente um paraíso”.
A ONU, por sua vez, tentou expressar mais otimismo. Celebrando o fim do regime de abusos de Assad, o alto comissário de direitos humanos do órgão, Volker Turk, afirmou haver “uma grande chance” para uma transição política inclusiva.
Falando à mídia em Genebra, ele disse ver sinais promissores para tal debate. O líder da HTS, que retomou seu nome de batismo Ahmed al-Sharaa após empregar um apelido que remetia justamente a Golã, já disse que pretende ver um governo sem chefia única.
A HTS tem estimados 10 mil soldados, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres). Já o Exército Nacional Sírio e seus vários outros grupos, mais moderados, conta com talvez 70 mil.
A dúvida central fica por conta do que sobrou das forças de Assad, que eram compostas por 169 mil pessoas e ainda têm controle, ao lado dos agora acuados aliados russos, da região de Latakia. O butim sírio inclui caças, helicópteros e blindados variados.
E, principalmente, a relação futura com os curdos, que somam 50 mil militares no nordeste sírio e são adversários da Turquia, país que bancou a derrubada da ditadura, escanteando o rival Irã, enfraquecido ao lado de seus prepostos pela guerra com Israel.
IGOR GIELOW / Folhapress