Itamaraty se prepara para navegar ano turbulento com Trump, Brics e COP30

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A diplomacia brasileira avalia 2024 como um ano positivo, principalmente pela realização da cúpula do G20 no Rio de Janeiro e pela assinatura do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, embora atritos do governo Lula com vizinhos e outros países tenham tumultuado os planos do Itamaraty. Agora, a pasta se prepara para um 2025 com a previsão de mais turbulência no cenário global.

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos é a novidade inescapável do cenário político e econômico internacional. O republicano afirma, desde a campanha, que vai criar e ampliar tarifas e jogar duro até mesmo com aliados europeus em acordos bilaterais e fóruns multilaterais.

Em dezembro, Trump elencou o Brasil entre os países que “cobram muito” em termos de tarifa e prometeu tratamento recíproco.

A fala do americano —e a relação pouco amistosa entre ele e o presidente Lula, que declarou preferir vitória de Kamala Harris— indica um 2025 em que a diplomacia brasileira terá de lidar tanto com os efeitos diretos deste novo momento da relação bilateral Brasil-EUA, quanto com os efeitos da política de Trump sobre a ordem global.

Um ponto de conflito em potencial está na cúpula do Brics em 2025, a quarta vez que o Brasil vai sediar o evento. Em 2024, o foro ocorreu na Rússia, e Lula não compareceu por questões médicas, após cair e bater a cabeça.

A cúpula do Brics, grupo que reúne China, Rússia, Índia e África do Sul, além dos recém incluídos Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, tem buscado ser um espaço relevante do que seus líderes chamam de nova ordem multipolar —ou seja, sem hegemonia de Washington.

Além disso, o grupo é espaço de discussão de países opostos ao Ocidente nas duas grandes guerras que transbordam novamente de ano, no Oriente Médio e na Ucrânia. No início do ano, Lula também viveu grande crise com Israel, ao comparar as ações de Tel Aviv em Gaza com o Holocausto durante o nazismo, e foi classificado como “persona non grata” no país.

Uma das pautas na agenda do Brics é o reforço do uso de moedas locais de países do bloco para o comércio internacional, o que implica diminuir a influência do dólar. Trump já ameaçou aplicar 100% de tarifas sobre produtos de países do grupo se esse tipo de medida avançar.

“O Brasil vai ter que ser muito sagaz para articular diplomaticamente com a administração Trump aspectos que não desfavoreçam os produtos do nosso agronegócio, que são os principais alvos de importação por parte dos Estados Unidos”, avalia Rodrigo Amaral, professor de relações internacionais da PUC-SP.

Na seara da política internacional, por outro lado, o Itamaraty tem pontos a celebrar ao fim de 2024: as conclusões do acordo entre União Europeia e Mercosul e a realização da cúpula do G20, no Rio de Janeiro.

Ambos são vistos como êxitos também por diplomatas estrangeiros ouvidos pela reportagem. No caso do G20, foram destaques a inclusão de menções às guerras na declaração final dos líderes, documento de negociação delicada, e a ampla adesão à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, bandeira do governo Lula para o evento.

Um dos pontos de apreensão do Itamaraty na cúpula e no ano como um todo foi a dúvida quanto à relação com o presidente argentino, Javier Milei. O ultraliberal esnobou o brasileiro ao visitar o país pela primeira vez sem encontrá-lo —reuniu-se com Jair Bolsonaro— e as ações da sua diplomacia ameaçavam travar discussões no G20.

Não foi, no entanto, o que ocorreu. As caras azedas na foto oficial do evento no Rio ficaram por isso mesmo. Apesar do distanciamento entre os líderes, imperou o pragmatismo entre as chancelarias, com avanços no setor energético.

Foi na Venezuela, vetor de dor de cabeça para a diplomacia brasileira em 2024, que ocorreu outro exemplo de cooperação com Buenos Aires, apesar dos atritos.

O Brasil assumiu a custódia da embaixada argentina em Caracas em meio à crise entre o governo de Milei e o regime de Nicolás Maduro, que expulsou o corpo diplomático argentino após a contestada eleição que, segundo órgãos eleitorais controlados pelo chavismo, reelegeu o ditador. No local, estão asilados seis opositores do regime.

A relação histórica de governos petistas com o regime de Maduro azedou de vez neste ano, particularmente após o pleito venezuelano. O Brasil não reconheceu a vitória de Maduro (nem de Edmundo González, da oposição), e exige a divulgação das atas eleitorais, algo que o regime não fez.

O ano de 2024 havia começado diferente, com o Brasil participando da mediação do contencioso sobre Essequibo, região da Guiana que Caracas reivindica e trata como sua, embora não administre a área. Apesar de ser ativada de tempos em tempos pela ditadura, o conflito centenário está, hoje, dormente.

Após a eleição, porém, a ditadura passou a criticar Lula, e com mais intensidade ainda o Itamaraty. A pasta chegou a ser acusada de ser vinculada ao Departamento de Estado dos Estados Unidos, e Celso Amorim, assessor de Lula que esteve em Caracas para a eleição, foi chamado de “mensageiro do imperialismo norte-americano”.

Janeiro de 2025 carrega já o primeiro desafio do Itamaraty nesse sentido. A posse de Maduro está marcada para o dia 10, e o opositor, exilado na Espanha, diz que irá a Caracas assumir. O tratamento dado para a data pela diplomacia brasileira, que tenta manter um canal de diálogo apesar das rusgas recentes, é delicado.

O ano deve terminar com a COP30, em Belém, evento que é a grande aposta internacional do governo Lula ao lado da cúpula do G20. Prevista para novembro, a conferência sobre o clima precisa reverter resultados fracos recentes de fóruns ambientais globais.

Um dos pleitos de países em desenvolvimento, Brasil incluso, é aumentar o financiamento para que as metas estipuladas pelo Acordo de Paris sejam alcançadas. Países desenvolvidos, no entanto, trabalham para incluir nações consideradas em desenvolvimento, como a China, entre os que são obrigados a contribuir –mais um ponto contencioso pelo qual a diplomacia brasileira precisará navegar em 2025.

Assim como em praticamente todos os temas da arena global, o fator Trump terá um peso relevante nas negociações da COP presidida pelo Brasil. É amplamente esperado que o republicano mais uma vez retire os EUA do Acordo de Paris, o que deve aumentar a pressão sobre as demais partes signatárias do tratado.

GUILHERME BOTACINI / Folhapress

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