SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se ainda existir uma lista de celebridades que são unanimidade global, Jane Goodall, 89, muito provavelmente está perto do topo.
Em “O Livro da Esperança”, obra que registra conversas da primatologista britânica com o escritor Douglas Abrams, as décadas de luta de Goodall em favor da causa ambiental ganham certo ar de autoajuda, mas nem a relativa banalidade do formato é capaz de eliminar o encanto da trajetória dela.
A naturalista, uma das principais responsáveis por revelar ao mundo a complexidade cognitiva e social dos chimpanzés. Seu trabalho começou nos anos 1960, o que a tornou uma espécie de vovó sábia em escala planetária.
Não há cúpula ambiental das Nações Unidas em que ela não esteja presente, alertando sobre a necessidade de agir com urgência contra a perda de biodiversidade e a emergência climática –dois desafios nos quais parece haver um abismo entre, de um lado, o conhecimento científico e mesmo a consciência da população, e, de outro, as medidas concretas tomadas para enfrentá-los.
Diante desse descompasso, as perguntas de Abrams a Goodall sobre a importância da esperança podem, de início, soar como samba de uma nota só, insistentes e formulaicas. Também não ajuda muito o fato de elas estarem estruturadas em torno de quatro temas que talvez pareçam óbvios ou simplistas demais.
As “quatro razões de Jane para ter esperança” são a capacidade do intelecto da nossa espécie; a resiliência da natureza; o poder dos jovens; e o indômito espírito humano. Será que isso é suficiente para nos tirar do buraco civilizacional em que nos enfiamos?
Até Abrams parece vacilar quando, numa das conversas com a primatologista, cita uma das tiradas da ativista climática Greta Thunberg, 20, diante de líderes políticos: “Não quero a esperança de vocês, quero que entrem em pânico!”.
Deus e o Diabo moram nos detalhes, porém, e basta a disposição para ouvir com paciência o que Goodall tem a dizer para que se entenda que suas razões para ter esperança não são meros chavões. Isso porque, antes de mais nada, é difícil discordar da coerência entre pensamento e ação em sua trajetória, e também porque a britânica testemunhou mudanças imensas no mundo –muitas para melhor.
No começo dos anos 1960, por exemplo, parecia impossível –diante do machismo da comunidade científica– que jovens mulheres como ela e outras primatologistas fossem capazes de revolucionar o que se sabia sobre a vida dos grandes símios, como acabou acontecendo.
A nova face dos chimpanzés revelada por Goodall não apenas ajudou as pessoas a entender a proximidade entre eles e nós na árvore da vida como praticamente eliminou o uso desses primatas na pesquisa biomédica mundo afora e fez com que a caça a eles se tornasse cada vez mais inaceitável.
Goodall também foi uma das figuras-chave a inspirar a transformação do ambientalismo em movimento de massa e, graças a seu trabalho de longo prazo em Gombe, na Tanzânia, também foi pioneira nas ações conservacionistas que buscam a maior integração possível entre as necessidades das populações locais e as espécies ameaçadas que vivem em meio a elas.
O respeito que ela mostra em relação às culturas tradicionais da África e dos demais continentes ao longo do livro não parece ser da boca para fora.
É possível, porém, que a grande contribuição trazida pelos diálogos do livro seja a delicadeza e simplicidade com que Goodall aborda a dimensão espiritual do trabalho conservacionista.
Os mais céticos talvez torçam o nariz, mas a convicção da primatologista acerca de uma profunda conexão espiritual entre os seres humanos e os demais seres vivos provavelmente é capaz de tocar as pessoas de maneira poderosa. Apesar da fórmula batida, trata-se de uma boa introdução ao seu trabalho como contadora de histórias e líder moral.
O LIVRO DA ESPERANÇA
Preço: R$ 54,90 (256 págs.); R$ 32,99 (ebook)
Autoria: Jane Goodall, Douglas Abrams e Gail Hudson
Editora: Sextante
Tradução: Ana Carolina Mesquita e Mariana Mesquita
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress