RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A postura da Argentina nas negociações do documento final da cúpula do G20 gerou grande apreensão no governo brasileiro e a chegada do presidente do país, Javier Milei, ao Rio de Janeiro neste domingo (17) não deve aliviar as tensões.
Diferentemente de mais de dez chefes de Estado, o argentino não solicitou um encontro privado com Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Milei chegou ao seu hotel, o Othon, em Copacabana, por volta das 18h30. Entrou rapidamente no lobby e não falou com a imprensa. Foi seguido por seu ministro da Economia, Luis Caputo o sherpa argentino (como é chamado o representante diplomático que lidera a delegação do país nas reuniões sobre a declaração final), Federico Pineda, aguardava-o no interior do hotel.
A vinda de Milei não atraiu muitos curiosos. Aguardava a sua chegada apenas uma família composta por pai, filho e avó. O pai chegou a gritar o slogan do líder, “viva la libertad”, ao vê-lo. Questionados sobre seu interesse no líder ultraliberal, pai e avó disseram que admiravam as suas políticas econômicas e que elas davam esperança de uma melhoria na economia depois de 20 anos consecutivos de crise.
Uma agenda para os próximos dias compartilhada pela Casa Rosada indica que suas reuniões bilaterais incluem sobretudo encontros com dirigentes de órgãos financeiros, como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional). Os únicos líderes com quem ele se reúne são o chinês Xi Jinping e o indiano Narendra Modi, ambos na terça-feira (19). Ele volta a Buenos Aires na mesma data, às 15h.
Além disso, é conhecida a intempestividade de Milei em viagens, em especial a países em que não se alinha ao governo ideologicamente. Lula já inclusive testemunhou essa face de sua personalidade, que em julho preferiu reunir-se com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a se encontrar com o petista naquela que foi sua primeira viagem ao Brasil como chefe da Casa Rosada.
Naquela ocasião, o argentino se justificou dizendo que aquela era uma viagem privada. Mesmo assim, há um temor de que ele use sua visita ao Rio nesta semana para se encontrar com Bolsonaro e aliados, constrangendo Lula.
A insatisfação de Buenos Aires com o documento final do G20 começou a ficar clara na terça-feira (12), quando começou a reunião dos sherpas, como são chamados os representantes diplomáticos dos países que negociam o texto até a cúpula de fato.
Em meio a debates acalorados sobre as menções às guerras na Ucrânia e em Gaza no documento, os enviados de Milei disseram não concordar com algumas expressões sobre gênero que constavam em um trecho. Este reproduzia, em linhas gerais, um texto negociado em outubro que a Argentina se recusou a endossar.
Depois, na quinta-feira (14), os argentinos voltaram atrás em um um trecho da declaração relativa à taxação de super-ricos negociada em julho. Eles disseram que haviam recebido instruções expressas do presidente para se opor ao trecho que reafirmava o compromisso dos membros do G20 com a promoção do “diálogo global sobre tributação justa e progressiva”, incluindo “indivíduos com patrimônio líquido ultra-elevado”, tema de maior importância para o governo brasileiro.
As atitudes são coerentes com as posturas ultraconservadoras promovidas por Milei desde que ele assumiu. Um autointitulado “libertário anarcocapitalista”, ele nunca escondeu sua oposição ao que chama de “ideologia de gênero”, segundo ele parte de um suposto movimento para reverter a ordem social no Ocidente, sua antipatia pelo sistema multilateral e sua descrença na crise climática dias atrás, ele ordenou a retirada súbita de sua delegação técnica da COP29, cúpula do clima da ONU que ocorre no Azerbaijão até o dia 22.
O governo brasileiro ainda acredita na possibilidade de chegar a um acordo com Buenos Aires. No caso dos parágrafos sobre gênero, por exemplo, dispuseram-se a fazer ajustes para tentar vencer as objeções argentinas.
Mas algumas declarações recentes da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, podem ter dificultado esse movimento. Ela criticou a Argentina por discordar da formulação sobre gênero ao discursar na abertura do G20 Social e xingou o bilionário Elon Musk em outro painel do mesmo evento.
O insulto ao qual o dono do X chegou a responder, dizendo que “eles vão perder a próxima eleição” foi visto com apreensão nos bastidores do Planalto devido à proximidade do bilionário com Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos. Diplomatas brasileiros acreditam que ele pode atrapalhar a tentativa de Lula de ter uma relação pragmática com o republicano.
Milei, por sua vez, é um fã autodeclarado de Trump, e tornou-se o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitá-lo ao participar de um evento da ultradireita, a Cpac, no luxuoso resort do americano no início desta semana.
Há inclusive quem encare a oposição de Buenos Aires à taxação dos super-ricos no documento do G20 como uma sinalização argentina a Washington. Trump já anunciou que pretende continuar com as políticas de cortes de impostos sobre empresas que implementou em seu primeiro mandato.
A omissão da Argentina no comunicado final da cúpula representaria em certa medida uma derrota para ambos Milei e a presidência brasileira do G20 se por um lado ela apartaria o líder argentino de diversas nações, por outro ela enfraqueceria o fórum das maiores economias do mundo ao atestar sua incapacidade de chegar a um consenso.
Ao mesmo tempo, o presidente argentino já deu demonstrações de que não se importa em ficar isolado na arena internacional. E negociadores do Brasil disseram que trabalham com a possibilidade de que a declaração simplesmente não seja assinada pelo país vizinho.
CLARA BALBI / Folhapress