SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma inspeção de rotina no viveiro da jiboia chamada Ronaldo, acharam 14 serpentes a mais do que o esperado –que era só uma, Ronaldo.
A descoberta ocorreu no Reino Unido, na Universidade City of Portsmouth. “Inicialmente achamos que poderia ter havido alguma confusão”, disse, à página da própria universidade, Amanda McLeod, responsável técnica pelo cuidado dos animais. “Não acreditávamos no que estávamos vendo.”
Um dos motivos para a surpresa foi o fato de que, inicialmente, a serpente Ronaldo, de 13 anos, tinha sido caracterizada como um macho. A outra parte que deixou as pessoas intrigadas é que o réptil não tinha qualquer contato com outras serpentes há, pelo menos, nove anos.
Segundo a universidade, o que aconteceu foi um fenômeno raro chamado partenogênese, ou seja, um parto virgem, sem contato com outros indivíduos.
“Ronaldo estava parecendo um pouco mais gordo do que o normal, como se tivesse comido uma refeição grande, mas nunca imaginamos que ele, ou deveríamos dizer ela, estivesse grávida”, disse, também ao site da universidade, Pete Quinlan, especialista em répteis da entidade.
Apesar de a instituição afirmar que se trata de partenogênese, Selma Almeida-Santos, diretora do LEEV (Laboratório de Ecologia e Evolução) do Instituto Butantan, não tem tanta certeza quanto a essa afirmação.
Para confirmar que se trata de uma partenogênese, de fato, é necessário um exame de DNA –um processo caro.
Além disso, segundo Almeida-Santos, casos de partenogênese usualmente resultam em diversos filhotes natimortos ou ovos atrésicos -o que pode ser traduzido como “não desenvolvidos”.
“Você tem uma serpente que tem dez filhotes normalmente. Quando tem partenogênese você tem três filhotes”, diz a especialista.
E, dependendo da espécie que sofreu a partenogênese, todos os filhotes serão exclusivamente fêmeas ou exclusivamente machos.
Almeida-Santos diz que para jiboias, tal qual Ronaldo, sucuris e pítons (que são da família Boidae), só nascem fêmeas.
Por sinal, a jiboia Ronaldo é de uma espécie conhecida como salamanta (Epicrates cenchria) e ocorre nas regiões de floresta amazônica. Pode chegar até cerca de 1,8 metro e, em inglês, é conhecida como Brazilian rainbow boa, porque as suas escamas, conforme a luz bate, adquirem uma aparência que lembra um arco-íris.
Segundo a pesquisadora, o dimorfismo sexual ajuda a diferenciar as serpentes. No caso da família Boidae, as fêmeas costumam ser muito maiores do que os machos.
Há ainda outro ponto que pode ter ocorrido no caso de Ronaldo. “Existe estocagem de esperma por longos períodos em serpentes e lagartos”, diz a especialista. “Imagina se existisse isso em seres humanos”, brinca Almeida-Santos.
Existem casos documentados de estocagem em serpentes por até oito anos, de acordo com a pesquisadora. “Até que ponto essa serpente que foi para o cativeiro não tinha copulado com alguém na natureza?”
Os casos de possíveis partenogêneses -possíveis porque nem todos tiveram exames de DNA realizados- não são tão incomuns no Butantan.
A diretora do LEEV afirma que tais casos costumam acontecer em cativeiro porque as serpentes são mantidas em situações adequadas e com alimentação constante, mas sem parceiros sexuais. Por estarem em uma condição boa, e como os folículos ovarianos continuam sendo gerados e estão prontos para receber espermatozoides, em algum momento, pode acabar acontecendo a partenogênese.
Mas, obviamente, isso também acontece na natureza.
A partenogênese também está presente em outros animais. Em 2018, por exemplo, uma fêmea de crocodilo, na Costa Rica, colocou uma ninhada de ovos após 16 anos em isolamento -foi a primeira vez que essa reprodução assexuada foi vista em crocodilos.
Quinlan está agora tentando identificar o sexo de cada uma das 14 serpentezinhas e já preparando os seus viveiros. Assim que estiverem maiores, o destino das serpentes deve ser longe de Ronaldo.
Outra questão ainda permanece: quem é o Ronaldo homenageado pela serpente?
Procurada pela reportagem, a universidade ainda não respondeu.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress