Jodie Foster revê carreira e fala sobre não gostar de personagens fracas ou heróis

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao longo de toda a trajetória, Jodie Foster transmitiu autoridade. Seja pela pose fora das telas ou pelos papéis que a puseram entre as grandes atrizes de sua geração, a americana construiu para si a epítome de feminista, de uma mulher com a vida e carreira sob controle, muito antes de Barbies se emanciparem e super-heroínas se tornarem frequentes em Hollywood.

Com “Acusados”, ganhou seu primeiro Oscar como uma jovem que quer levar à Justiça os homens que a violentaram, levantando com pioneirismo o debate sobre culpabilização da vítima. Em “O Silêncio dos Inocentes”, levou a segunda estatueta como a inesquecível Clarice Starling, que subvertia o complexo jogo psicológico do serial killer Hannibal Lecter.

“Eu gostaria de dedicar este prêmio a todas as mulheres que vieram antes e não tiveram a mesma chance que eu –as sobreviventes, as pioneiras, as párias”, disse ela ao receber o segundo Oscar, em 1992, antes de classificar a personagem como “uma heroína feminista incrivelmente forte e linda”.

Até em “Taxi Driver”, clássico indiscutível de Scorsese, mas fruto de debate até os dias de hoje por escalar a atriz, então com 12 anos, para o papel de uma prostituta que perambula por Nova York em microrroupas, sua fala e seus olhares transmitiam força e segurança. O lugar de mártir, de apelos sentimentalistas, nunca lhe caiu bem.

“Você não escolhe seus personagens por um motivo ou outro, mas em certo momento olha para trás e percebe que construiu um padrão”, disse ela com um sorriso largo e moldado em simpatia a este repórter, em sua passagem pelo Brasil em dezembro, como uma das atrações mais estreladas da feira de cultura pop CCXP.

“Eu definitivamente sou fascinada por mulheres fortes, e preciso ser honesta: a verdade é que é difícil para mim interpretar alguém que seja fraco. Eu me encontro na força das minhas personagens. Também sou muito atraída por pessoas solitárias, apesar de com o tempo ter entendido como tudo fica mais divertido e como há aprendizado ao trabalhar em grupo.”

Foster esteve no país para divulgar a série da HBO “True Detective”, que ganha uma nova temporada sob o codinome “Terra Noturna”, estreando neste domingo. Nela, põe tudo o que disse em prática, voltando aos temas de justiça e empoderamento na pele de uma policial que investiga uma série de assassinatos no gélido Alasca.

Aos 61 anos de idade e 58 de carreira, esta é a sua primeira grande personagem televisiva. Foster se junta à safra de divas de Hollywood que, ao atingir a maturidade, se voltam à TV em busca de papéis mais complexos para mulheres além dos 40, como Kate Winslet, Julia Roberts e Nicole Kidman. É, também, apenas o quinto trabalho como atriz nos últimos dez anos, quando começou a desacelerar.

“Eu sempre fui muito seletiva com meus papéis, mas com a idade fiquei ainda mais”, diz ela, que por outro lado começou a investir na carreira de diretora, mesmo que também de forma espaçada. Ela comandou, na década passada, episódios de “House of Cards”, “Orange Is the New Black”, “Black Mirror” e “Contos do Loop”, bem como os longas “Um Novo Despertar”, com Mel Gibson, e “Jogo do Dinheiro”, com George Clooney e Roberts.

“Enquanto diretora, eu exerço mais a minha personalidade. Eu sou uma pessoa que pensa primeiro e sente depois. Eu sou organizada, metódica, estruturada, tenho TOC em relação a várias coisas, e é assim que o cérebro de um diretor funciona.”

Tanto como atriz, quanto como diretora, Foster vê em seu trabalho uma missão. A americana lembra de quando começou a atuar e ela, a atriz que fazia sua mãe e uma maquiadora eram as únicas mulheres no set de filmagem.

Agora, espera com sua visibilidade dar espaço para artistas emergentes, como Issa López e Kali Reis, diretora e coprotagonista de “Terra Noturna”, ou Bella Ramsay, de “The Last of Us”, que já elogiou publicamente e fez questão de conhecer em dezembro, numa gala.

Mas Foster é também muito autoconsciente, e não tem delírios de grandeza em meio ao glamour do metiê.

Diz que sempre sente falta de estar num set de filmagem, porque ela os frequenta desde os três anos, mas afirma que a vida de atriz é cansativa, que um dia de gravação pode ser incrivelmente entediante. “E eu sou o tipo de pessoa que, quando chega a sexta-feira, dá graças a Deus.”

Para convencê-la a passar dias e mais dias num set, é preciso que os nomes envolvidos no projeto inspirem uma conexão. Talvez a mais forte delas tenha sido com Jonathan Demme, cineasta de “O Silêncio dos Inocentes” morto há sete anos, e a quem a atriz não poupa elogios. Ela diz que ele foi seu “diretor feminista favorito”, porque ninguém se esforçava tanto para entrar na pele de suas personagens.

Por mais que o feminismo seja uma bandeira que sempre ergueu, Foster não parece se impressionar com a onda de empoderamento encabeçada agora por super-heroínas, porém. Na verdade, ela gerou manchetes recentemente ao dizer que espera que os filmes do gênero sejam uma fase passageira –e segue firme na crença.

“Há super-heróis incríveis. O Homem de Ferro é um dos meus favoritos, e eu amo os filmes de ‘Matrix’. Eu só quero ter certeza de que há espaço para outros tipos de filmes, que não sejam atrações, que é o que muitas franquias pretendem ser –o espectador senta na sala de cinema e só espera que algo aconteça”, afirma agora.

“Há algo muito específico e interessante nos filmes comuns e na maneira como o público se relaciona com eles. Eu amo interpretar personagens que são complexos, principalmente os femininos, pois a complexidade foi negada às mulheres por anos. A minha questão com os heróis é que eles são feitos para ser uma coisa só. Mas se forem complexos, claro, eu apoio.”

Foster pode ser vista, por alguns, como uma heroína da vida real. Com seu trabalho e vida pessoal, inflamou discussões importantes, mesmo sem intenção. Por muitos anos, ela foi uma das poucas artistas abertamente LGBTQIA+ de Hollywood, inspirando fofocas que fizeram dela uma pessoa reservada e, por consequência, atraindo críticas de ativistas que acreditam que ela poderia ser mais vocal sobre a causa.

A americana não tem perfil nas redes sociais e nunca levou a ex-mulher de duas décadas, a produtora Cydney Bernard, como acompanhante em premiações. Tampouco se envolve no trabalho da fotógrafa Alexandra Hedison, com quem está casada há dez anos, ou criou o hábito de levar os dois filhos a sets de filmagem.

Ela atribui as escolhas ao fato de estar sob os holofotes desde a infância, disse ao The Guardian neste mês –quando a vida pública é a única que se conhece, você precisa encontrar maneiras de ser, também, uma pessoa normal.

É à vida doméstica que Foster se dedica quando passa temporadas distante das telas. Sempre que volta, no entanto, causa furor. Por “Nyad”, do ano passado, foi indicado ao Globo de Ouro. Antes disso, por “O Mauritano”, de três anos atrás, venceu o mesmo prêmio.

Por enquanto, “True Detective: Terra Noturna” é o único projeto no horizonte, como atriz ou diretora, mas a expectativa é que seu trabalho, elogiado pela crítica que já assistiu aos episódios, figure entre os melhores de 2024 quando a próxima temporada de premiações começar.

Enquanto isso, Jodie Foster se mantém no radar justamente deixando os espectadores com gostinho de quero mais.

TRUE DETECTIVE: TERRA NOTURNA

Quando Estreia neste domingo (14), na HBO e na HBO Max

Classificação Não informada.

Elenco Jodie Foster, Kali Reis e Fiona Shaw

Produção EUA, 2024

Criação Nic Pizzolatto e Issa López

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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