Johanna Döbereiner, que faria cem anos nesta quinta, revolucionou cultivo da soja

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Johanna Döbereiner, que nesta quinta-feira (28) completaria cem anos, ainda é uma das cientistas brasileiras mais citadas na área de agronomia, segundo a plataforma Research.com. Isso é graças à sua descoberta da simbiose (associação ecológica em que duas espécies se beneficiam mutuamente uma da outra) de bactérias fixadoras de nitrogênio e plantas leguminosas, como a soja, possibilitando a fertilização sem a necessidade de adubos químicos.

Nascida na República Tcheca (quando ainda era Tchecoslováquia), em 28 de novembro de 1924, Johanna foi criada pelos avós, que decidiram migrar para a Alemanha após o fim da Segunda Guerra Mundial. Temiam a perseguição aberta contra todo e qualquer alemão na União Soviética —a família havia sido perseguida pelo regime alemão e a mãe foi morta em um campo de concentração nazista.

O avô, que não compreendia a paixão da neta pelo campo, concordou que ela se voltasse à agricultura. Ela ingressou, em 1947, no curso de engenharia agrônoma na Universidade de Munique, onde conheceu seu marido, Jürgen Döbereiner, estudante de medicina veterinária.

Recém-casados e com medo de uma reviravolta no mundo na Guerra Fria, eles fugiram em 1950 para o Brasil porque Jürgen ouvira “que o maior acidente que poderia acontecer [aqui] era cair um coco na cabeça”, segundo Christian Döbereine, um dos filhos deles.

“Eles achavam graça disso, mas também tinham vivido os traumas da guerra e queriam algo distante desse cenário”, diz ele.

No país, instalaram-se na cidade de Itaguaí, na Baixada Fluminense, onde nasceram os três filhos do casal: Marlis, a mais velha, formada em economia pela Unicamp e hoje na África do Sul; Christian, formado em geologia e atualmente empresário do ramo ambientalista; e Lorenz, que também cursou geologia.

Em Seropédica, também na Baixada Fluminense, Johanna passou em um concurso no Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola, atual Centro Nacional de Pesquisa em Agrobiologia da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) após mentir na entrevista ao ser questionada se tinha experiência em laboratório.

“Ela respondeu que sim, que tinha muita experiência, e conseguiu o emprego. Meu pai ainda estava terminando o curso de veterinária na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)”, afirma Christian.

Segundo o empresário, a família levava uma vida pacata em uma casa dentro do campus da UFRRJ, em uma vasta fazenda. “Éramos muito simples, quase não tínhamos dinheiro, meu pai que fez os móveis da casa, minha mãe costurava os próprios vestidos, mas eles sempre valorizaram muito nossa educação.”

A pesquisa científica foi o grande motor da vida de Johanna, que obteve um título de mestre pela Universidade de Madison-Wisconsin, nos Estados Unidos, e de bacteriologia no Institut Pasteur, em Paris. Dedicada, ela passava os dias em seu laboratório —Jürgen, trabalhando na seção de patologia toxicológica da UFRRJ, ocupava-se mais do cuidado dos filhos.

Durante sua carreira, ela descreveu oito espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio, revolucionando o cultivo de plantas para fins agrícolas —primeiro, as leguminosas, mas também espécies associadas a gramíneas, como a cana-de-açúcar.

Seu trabalho de 1988, em conjunto com Vladimir Cavalcante, em que descreve a espécie Gluconacetobacter diazotrophicus em plantações de cana-de-açúcar em Alagoas, é o seu mais citado até hoje, com 472 citações na plataforma Web of Science e outras 455 na CrossRef.

Johanna recebeu diversos prêmios, entre os quais o Bernardo Houssay, pela OEA (Organização dos Estados Americanos), em 1979, e o de ciências da Unesco, em 1989.

Em 2000, aos 75 anos, Johanna se engasgou em sua residência, na Seropédica, e morreu após chegar ao hospital. Segundo o geólogo, o estado mental de sua mãe, que tinha a doença de Alzheimer, degradou-se depois do assassinato de Lorenz em um assalto em São Paulo, em março de 1996, quando ela “perdeu o rumo”.

“Dizem que a depressão é um fator de risco para o Alzheimer. Aos poucos, ela foi esquecendo os idiomas que falava, mas até o fim da vida queria ir para o laboratório, mesmo sem poder mais.”

O legado de Johanna, no entanto, segue sendo lembrado nas áreas de agrobiologia. “Quando ela raspou a cabeça e se vestiu de menino para conseguir um emprego em uma fazenda [de batatas, na Alemanha Oriental], isso já mostrava a sua capacidade e determinação para fazer o que queria. E espero que fique esse legado, de inspirar novas gerações, as mulheres, principalmente.”

ANA BOTTALLO / Folhapress

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