RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Jonathan Azevedo, 38, não queria mais fazer personagens com estereótipo de bandido. Até que ele leu o roteiro da série “O Jogo Que Mudou a História”, da Globoplay. “Vou ter que fazer outro bandido. Vou fazer o bandido”, relata o ator sobre sua reação ao entrar em contato com o papel de Gilsinho, um dos dos criminosos da ficção.
Gilsinho era José Carlos dos Reis Encina, também conhecido como Escadinha. Assassinado em 2004, ele foi um dos fundadores de uma das organizações que dominam o Rio desde os anos de 1980. A produção criada por José Junior, líder do AfroReggae, retrata os primeiros conflitos entre facções, que se estendem até os dias de hoje. “Escadinha é um bandido real e eu pude construir o personagem a partir dos relatos das pessoas mais velhas que estavam ao meu redor”, conta o ator.
Ele relembra emoções que enfrentou durante as gravações da série. Diz que Gilsinho “tem um lugar do Jonathan, que o Jonathan ama muito, mas que também machuca” e afirma que precisou de ajuda de uma psicóloga no trabalho. O ator também fala sobre sucesso, que ele diz não ter relação com o quanto ele ganha ou compra. “Sucesso para mim é quando eu deito na cama e sei quantas vidas eu mudei. O exemplo é o que faz muita coisa mudar ao nosso redor”, afirma. Confira a entrevista abaixo.
PERGUNTA – Se não me engano você tinha expressado a vontade de não mais interpretar um bandido. E aí vem “O Jogo que Mudou a História”…
JONATHAN AZEVEDO – Pois é (risos). Outro bandido. Quando veio o convite eu pensei: ‘Será que não está na hora de dar oportunidade para outros jovens ganharem oportunidade como eu ganhei lá atrás?’. Fui conversar com José Júnior [criador da série] e ainda estava meio assim quando li o roteiro. Entendi que o Gilsinho era o Escadinha [José Carlos dos Reis Encina, traficante do Morro do Juramento e um dos fundadores de uma das facções mais perigosa do Rio de Janeiro]. Liguei para a minha assessora [Juliana Reis] e falei: ‘Vou ter que fazer outro bandido. Vou fazer o bandido’.
P – E por quê teve essa reação?
JA – Os outros bandidos que interpretei eram criações dos autores, claro, que em colaboração com o ator, né? Mas Escadinha é um bandido que viveu, um bandido real -e eu pude construir o personagem a partir dos relatos da minha mãe e do meu pai, da minha família, da minha comunidade, das pessoas mais velhas que estavam ao meu redor. Eles me dão o olhar que eles tinham do Escadinha. A minha mãe era apaixonada por ele, achava ele um gato, entendeu? Muitas das pessoas com que eu conversava, não só conheceram, como tiveram acesso. É fogo.
P – Tem alguma cena dessa série que te marcou ou te remeteu alguma memória?
JA – Muitas. Mas teve uma que me tocou mais, que foi a chegada em Bangu [Complexo Penitenciário de Gericinó]. O Escadinha foi a pessoa que inaugurou o presídio de segurança máxima Bangu 1 (1987) e, chegando lá, a recepção que eu tive dos carcereiros que estavam trabalhando não foi muito boa, né? Um deles chegou a falar para mim que, na verdade, a vida ia me levar ali de qualquer forma.
P – Como assim?
JA – Passei por esse momento e fiquei me questionando porque se eu estava ali, através da minha arte, fazendo um personagem, e ele falou que eu tinha que passar por ali de qualquer jeito… Graças a Deus eu encontrei uma forma de passar e poder ir embora.
P – Você ainda sofre esse tipo de preconceito?
JA – Aí que vem o ‘x’ da questão. Perguntei para esse carcereiro o motivo de ele ter esse olhar sobre a minha pessoa. E ele falou pra mim que ele trabalha lá há muito tempo e que, na época da novela ‘A Força do Querer’ [em que Jonathan interpretava o bandido Sabiá, em 2017], eram cerca de quatro, cinco mil presos que ele tinha que cuidar e ele disse que todos lá me respeitavam pelo personagem que criei e que eu tinha levado esperança para os detidos.
P – Forte isso, né?
JA – Sim, e me marcou. O meu trabalho é levar esperança e não é culpa minha se os menos esperançosos são os que me dão os personagens deles. Os meus personagens são dos menos esperançosos e isso remete muito ao afeto e à paixão que eu tenho não só pelo meu ofício, mas pelo lugar de onde eu vim. Sim. É dignificar não só o meu trabalho, mas dignificar o personagem que eu estou defendendo.
P – E seu Gilsinho? O que ele tem de você, por exemplo?
JA – O Gilsinho… (para e respira). Ele tem um lugar do Jonathan, que o Jonathan ama muito, mas que também machuca muito que é a leveza, a doçura. Gilsinho paga pra ver. Ele confia e o Jonathan tem muito disso. Então, quando eu chego nesse lugar que esse personagem começa a me invadir tanto, ainda mais passando por questões como eu passei dentro daquela penitenciária, não consigo fazer mais um personagem desses sem estar acompanhado de uma psicóloga, de uma profissional.
P – Você fez terapia para a série? Ainda faz?
JA – Sim…É muito difícil lidar com o poder e a liderança que eles adquiriram, da forma que eles adquiriram e voltar pra minha família e falar que está tudo bem, sabe? É preciso equilibrar essa questão entre o ator e a pessoa, trazendo um profissional que possa me acompanhar. Existem muitas coisas na nossa vida que, sozinhos, a gente não dá conta. É só a gente descobrir, dar a mão para alguém, que a gente vai mais longe.
P – Essa série não mostra o assassinato do Escadinha, que foi executado em 2004. Isso significa que vai haver outras temporadas?
JA – Não tem a morte dele -e eu acho que vão ter outras temporadas. Existem muitas histórias ainda. São histórias reais.
P – No início de março, você fez uma vídeo falando do fim do seu contrato com a Globo e dizendo que emprego fixo e carteira de trabalho, para as pessoas de origens mais humildes, é sinônimo de garantia, de estabilidade. Ficou preocupado?
JA – Antes disso acontecer [o fim do contrato], eu me preparei financeiramente. Tenho amigos, inclusive Cauã [Reymond] e seu Tony Ramos, que são pessoas que pegavam muito no meu pé em questões financeiras, para eu juntar dinheiro, que aquilo não duraria para a vida toda. E aí eu comecei a ficar muito atento a isso e comecei a juntar dinheiro para que um dia eu pudesse levar minha vida da forma que eu quisesse.
P – Você está tranquilo com relação a trabalho?
JA – Eu tenho muita calma porque eu sei que as portas vão estar abertas por causa da semente plantei. Cheguei na Globo uma pessoa e saí outra melhor. Sempre lembro que sucesso para mim não é o quanto eu ganhei, não é o que eu comprei. Sucesso para mim é quando eu deito na cama e sei quantas vidas eu mudei. O exemplo é o que faz muita coisa mudar ao nosso redor.
ANA CORA LIMA / Folhapress