PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Diante de quase 3.000 pessoas que lotaram o auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, o canadense Jordan Peterson desfiou, nesta quinta-feira (20), teses como a de que o pecado é a causa de todas as catástrofes que acometem a humanidade. O discurso foi acompanhado de fortes aplausos na capital gaúcha, que convive há quase dois meses com a tragédia provocada pelas chuvas.
Guru de carreira meteórica no pensamento conservador mundial, Peterson está no Brasil para promover seu novo livro em parceria com a produtora de direita Brasil Paralelo, com passagem por São Paulo e Porto Alegre.
A turnê foi cercada de polêmica desde que a cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, divulgou em suas redes sociais a palestra do canadense, na terça-feira (18). Em resposta, clientes da fintech convocaram um boicote contra a empresa. Diante da repercussão, Junqueira negou vínculo com a Brasil Paralelo.
Peterson, 62, coleciona controvérsias desde que emergiu no debate público como crítico da legislação contra a discriminação de gênero no Canadá. Ele já foi alvo de críticas por afirmar que era preciso “admirar Hitler (…) porque ele era um gênio organizacional”. Uma das personalidades que o encontraram em São Paulo foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL).
Nesta quinta, o primeiro momento em que o canadense foi aplaudido foi ao dizer, em tom contundente e com o dedo em riste, que o pecado humano é responsável pelas calamidades. O segundo, já nos momentos finais, ocorreu ao responder a uma pergunta sobre como via a Teologia da Libertação. Ele criticou a corrente católica como uma tentativa malograda de conciliar marxismo e cristianismo.
A palestra de Peterson em Porto Alegre -definida como “show” no site da Brasil Paralelo- foi uma síntese, com adaptações, de suas falas dos últimos anos ao redor do mundo.
Antes de surgir no palco, o professor da Universidade de Toronto foi precedido por sua mulher. Na introdução, Tammy Peterson, que costuma acompanhá-lo em eventos, explicou como, ao tratar um câncer terminal, prometeu que dedicaria a vida a divulgar à palavra de Deus caso sobrevivesse.
Em seguida, ele emergiu dos bastidores para uma fala inicial de quase uma hora. Seu ponto de partida foi o de “a cultura ocidental é essencialmente um desmembramento de narrativas bíblicas”.
Peterson se situa na posição do teórico moderno por excelência, enxergando as Escrituras e a cultura como resultantes de um impulso humano e racional. Uma vez que as “narrativas bíblicas” incluem um conjunto inesgotável de temas -criação, castigo, culpa, pecado, consciência, transcendência, dever, redenção e finitude, entre outros-, o palestrante fez diversas variações em torno do tema da decadência ocidental, preocupação favorita de teóricos conservadores e tradicionalistas desde o século 19.
O canadense explorou a história do profeta Jonas, que desobedeceu a Deus, foi jogado ao mar e engolido por uma baleia. O mito, segundo ele, se presta a uma série de comentários. Um deles é o de que o mar, onde Jonas correu o risco de se afogar, pode ser entendido como a natureza divina (“Deus é um mar de possibilidades”).
Isso significa, em sua visão, que nada está decidido de antemão e tudo depende da vontade individual, inclinada para o discernimento e a ação. “Nossa consciência é oposta ao determinismo”, declarou.
Diferentemente de Jonas, disse Peterson, não se deve discutir com Deus -o título de sua palestra, retirado do livro homônimo recém-lançado, é “Nós que Lutamos com Deus”. “Deus é o espírito da ordem moral pré-existente”, afirmou. Caos, crises, corrupção, problemas e dificuldades têm sua origem no afastamento de Deus, que leva ao dimensionamento equivocado das próprias capacidades. “Catástrofes são provocadas pelos seus próprios pecados”, sintetizou.
Para exemplificar a tese, invocou a história de Noé, identificado como alguém confrontado com a perspectiva do dilúvio, símbolo da desordem generalizada.
“Quando a interdição [divina] atravessa o seu caminho, você tem de acreditar nela porque você estará em sérios problemas quando o caos bater em todas as portas e você não sabe se pode depender das decisões que gostaria de tomar naquele momento”, afirmou. “Você deve estar preparado, de olhos abertos, deve ter seus trabalhos em ordem.”
Peterson comparou a situação de Noé com a de “países da África” que enfrentam fome e desagregação. “Quando os indivíduos são corruptos, o Estado entra em colapso”, afirmou. Noé, por sua vez, era um bom homem e seguiu sua intuição ao obedecer ao mandamento divino e salvar as criaturas vivas por meio da construção da Arca. “Apesar do caos, tudo o que você tem é a sua orientação moral. Isso é tremendo, isso é um tremendo fardo”, pontuou.
Os ingressos para a palestra custavam de R$ 300 a R$ 600 e se esgotaram nos primeiros dias de vendas. Segundo a assessoria do evento, não foram distribuídos bilhetes de cortesia para empresas e universidades.
LUIZ ANTÔNIO ARAUJO / Folhapress