Jornais que evitam endossar candidatos nos EUA praticam ‘obediência antecipada’, dizem comentaristas

PITTSBURGH, PENSILVÂNIA (FOLHAPRESS) – A reação de comentaristas e acadêmicos americanos à decisão dos jornais The Washington Post e Los Angeles Times de não anunciar apoio a nenhuma candidatura presidencial foi enfática. Muitos veem a decisão como o primeiro sinal de uma escalada autoritária em um possível governo Donald Trump.

A expressão “obediência antecipada”, cunhada por Timothy Snyder, professor de história da Universidade Yale, para descrever o ato de pessoas se autocensurarem e tentarem agradar líderes autoritários foi usada por diversos observadores.

Jonathan Last, editor-executivo do Bulwark, influente site noticioso de republicanos anti-Trump, afirmou que a decisão dos jornais é um prenúncio do que vem por aí, caso Trump vença. “Jeff Bezos é o mais importante empreendedor de sua geração. Se ele precisa satisfazer preventivamente Trump, então todo o mundo, em todos os níveis, vai perceber isso”, escreveu -Bezos é o dono do Washington Post e da Amazon.

Durante seu governo, Trump tentou elevar os valores cobrados pelo correio americano para causar prejuízos à Amazon, em retaliação à cobertura crítica que o Post fazia sobre sua Presidência.

Last compara ainda o episódio à prisão do oligarca russo Mikhail Khodorkovski, em 2003. Vladimir Putin assumiu o poder em 2000 e imediatamente começou a concentrar poder. A prisão de Khodorkovski, que controla a empresa de petróleo russa Yukos, foi um recado aos oligarcas do país de que Putin é quem estava no comando, disse Last.

“O objetivo da prisão era mostrar às pessoas com dinheiro e poder suficientes para ameaçar Putin que ele podia destruir suas vidas. Os oligarcas entenderam o recado rapidamente, e se tornaram cortesãos de Putin, em vez de rivais”, compara o editor.

Para ele, esse é o sentido da recusa do Washington Post de anunciar apoio a Kamala Harris. “Qualquer empresário rico nos EUA está pensando que, se Jeff Bezos tem medo de retaliação de Trump, ele também deveria ter. E Bezos nem teve que ser preso para aprender a lição. Aliás, Trump nem precisou ganhar a eleição.”

Isso seria o que Snyder chama de ” obediência antecipada” em seu best seller “Sobre a Tirania”. A expressão significa, segundo seu autor, “a maior lição da ascensão nazista, e o que deveria ser uma das maiores lições do século 20: não abra mão do poder antes que você seja obrigado a fazer isso. Não se proteja cedo demais”. De acordo com Snyder, “ao fazer concessões físicas e mentais, a pessoa já está abrindo mão de seu poder em favor de um aspirante a autoritário”.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Jason Stanley, professor de filosofia de Yale e autor do livro “Como Funciona o Fascismo”, disse que “empresários sabem que Trump, diferentemente de George W. Bush e Barack Obama, guarda rancor”.

“Trump não tem medo de usar o poder do Estado contra pessoas de quem ele não gosta. E bilionários sabem disso. Ninguém fica bilionário sendo politicamente corajoso.”

As decisões já causaram prejuízos aos dois jornais -estimativas de que 14 mil leitores cancelaram suas assinaturas do LA Times após a decisão, e cerca de 200 mil do Post.

No próprio jornal de Bezos, a decisão foi criticada por diversos colunistas e editorialistas e discutida em reportagens. “Alguns bilionários e presidentes de empresas de tecnologia estão fazendo hedge [se protegendo] enquanto Trump promete retaliar” é o título da reportagem que descreve como vários empresários que haviam feito críticas veementes à participação de Trump no ataque ao Capitólio em 2021 estão agora se mantendo discretos.

Stephen Schwarzman, presidente da Blackstone, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo, classificou o ataque ao Capitólio de chocante e “uma afronta aos valores democráticos que nos são caros”. Neste ano, porém, anunciou apoio a Trump.

Entre os empresários que normalmente declaravam seu voto publicamente e que, desta vez, estão mudos está o bilionário Warren Buffett. Ele apoiou Barack Obama em 2008 e 2012 e Hillary Clinton em 2016, mas não declarou voto em 2020 nem neste ano.

Enquanto isso, a campanha de Trump deitou e rolou. Em mensagem eufórica a apoiadores, a campanha afirmou: “Mais um importante veículo de notícias se afasta de Kamala”, ao anunciar que o USA Today e os jornais afiliados também não iriam apoiar publicamente nenhum candidato nesta eleição. O jornal apoiou Biden em 2020. “Humilhante”, concluía a mensagem do republicano.

Veja quem os principais veículos apoiam nesta eleição

Trump

New York Post

Washington Times

Las Vegas Review-Journal

Kamala

The Atlantic

The New Yorker

The New York Times

Boston Globe

Las Vegas Sun

Vogue

Rolling Stone

Seattle Times

Sem apoio declarado

Washington Post

LA Times

USA Today

Chicago Tribune

Denver Post

PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress

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