Jornalistas esportivas ainda enfrentam resistência para falar de futebol

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há resistência do público em assistir a jogos de futebol narrados por mulheres? Narradoras dizem que sim, e as redes sociais parecem confirmar essa tese. Antes de o X ter sido bloqueado no Brasil, comentários como “meu pai adora suas narrações, ele é surdo” ou “mulher deveria narrar jogos femininos, já que ninguém vê” pipocavam na “timeline” quando alguma narradora soltava a voz.

A Folha ouviu pesquisadoras do esporte e mulheres que atuam na televisão e na internet. Embora reconheçam avanços, elas destacam que ainda há muito a ser feito para tornar o ambiente verdadeiramente inclusivo.

A jornalista Denise Mirá afirma que desde os anos 1980 luta por espaço em um ambiente sexista, dominado por homens. Um reflexo, segundo ela, da estrutura da sociedade.

“Se as meninas continuarem sendo criadas para servir e realizar tarefas domésticas sem a colaboração dos irmãos, essa realidade não mudará. Isso também se reflete no esporte, em que as mulheres têm progredido, mas de maneira ainda lenta”, diz.

Apesar disso, há nomes que mostram o crescimento feminino no cenário esportivo, como Luciana Mariano, que apareceu em 1997 na Bandeirantes como a primeira mulher a narrar na TV brasileira. Atualmente, faz parte da ESPN e comanda o programa Mina de Passe, o primeiro dedicado ao futebol feminino no Brasil.

“Infelizmente, é uma realidade. Todas nós, mulheres, ainda somos vítimas de uma estrutura machista de alguma forma. Eu transformei toda a minha indignação em força e esperança, ressignifiquei isso quando consegui compreender que eu não era o problema”, afirma.

A inclusão aumentou, mas a passos lentos. Na TV Globo, a participação feminina passou de 15% em 2018 para 43% em 2024. Entre as narradoras, são apenas três, com Renata Silveira destacando-se como a primeira mulher a narrar um jogo da Copa do Mundo na TV aberta, em 2022.

Luciana Mariano, pioneira na narração esportiva feminina Instagram/Luciana Mariano Uma mulher com cabelo ondulado e castanho claro está posando para a foto. Ela usa uma camisa branca com o logotipo da ESPN em vermelho. **** Para Katia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos da Escola de Educação Física da USP (Universidade de São Paulo), é preciso trabalhar para que a inserção não seja apenas uma estratégia de marketing.

“Minha preocupação real é sobre a durabilidade dessa iniciativa. Eu me pergunto se essa abordagem continuará sendo uma prioridade quando deixar de ser uma tendência”, afirma. “Caso contrário, temo que as mulheres precisem se voltar para veículos especificamente femininos para obter a visibilidade necessária.”

Para Soraya Barreto Januário, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisadora com estudos em gênero, masculinidades e comunicação, a inclusão nas emissoras é uma questão de mercado. “Se o mercado não começar a ter retorno financeiro, tenho certeza de que grandes emissoras terão políticas internas de inclusão só até certo ponto.”

Ela alerta para o risco de retração na inclusão feminina, com a volta do domínio masculino, e vê essa questão como crítica, destacando a importância pedagógica da inclusão da mídia. “É muito importante, sim, termos mulheres narradoras, mas essa é uma construção cultural, e uma cultura não se constrói da noite para o dia.”

Nos Jogos Olímpicos de Paris, Natalia Lara, da TV Globo, destacou-se como narradora em diversas modalidades, após intensa preparação, revisando todas as 48 modalidades olímpicas, com foco especial nas que envolviam atletas brasileiros.

“Recebo muitas mensagens positivas, especialmente agora, com meu trabalho nas Olimpíadas”, diz. Natalia utiliza suas redes sociais para destacar a importância da representatividade feminina e responder aos que ainda resistem à presença de narradoras, deixando as críticas de lado.

Ela ressalta que vê uma melhoria gradual. E aponta que, entrando em novos ambientes, as mulheres abrem portas e frequentemente encontram pessoas que ainda não estão acostumadas a ouvir suas vozes.

“Vejo isso como algo que, com o tempo, será naturalizado, com as pessoas se acostumando e aceitando nossas vozes”, afirma.

Questionada pela Folha, a TV Globo afirmou que a resposta da emissora às críticas sofridas pelas jornalistas é investir em diversidade, a fim de enriquecer as transmissões de todos os esportes em seus canais e plataformas.

Embora as críticas sejam mais intensas no futebol, mulheres que atuam em outras modalidades não passam ilesas. Alana Ambrósio, contratada pela NBA no Brasil, comenta e narra os jogos de basquete que são exibidos no YouTube e no Prime Video.

“Certamente tem um cunho de gênero, bem específico e claro, quando vemos os comentários negativos que são direcionados às mulheres que trabalham com esporte, sejam narradoras ou comentaristas”, diz Ambrósio.

O jornalista Juca Kfouri, colunista da Folha, reconhece o machismo estrutural no Brasil e diz que, em sua experiência como chefe de reportagem da revista Placar nos anos 1970, buscou promover a inclusão feminina.

“Sempre que esse tema surge, faço questão de manifestar minha posição para expor o machismo. Digo: ‘Não, você não está fazendo uma crítica técnica, está fazendo uma crítica baseada em gênero’. A raiz disso é o temor de que as mulheres possam ocupar seus espaços, seja qual for o motivo”, afirma.

A pesquisadora Katia Rubio lamenta que as mulheres ainda sejam frequentemente limitadas à cobertura de “esportes femininos” e defende que o verdadeiro progresso ocorrerá quando elas tiverem oportunidades iguais para cobrir todos os esportes.

Embora reconheça os avanços desde os anos 1970, com mais mulheres reivindicando espaço na mídia esportiva, Rubio acredita que ainda há um longo caminho a percorrer.

RAÍSSA BASÍLIO / Folhapress

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