José Hamilton Ribeiro deixa refúgio rural para exposição e lançamento em São Paulo

UBERABA, MG (FOLHAPRESS) – “Em São Paulo deve estar gelado, né?” Com pavor ao frio, José Hamilton Ribeiro volta e meia repetia a questão e, de gozação, punha em dúvida se deixaria mesmo seu refúgio rural em Uberaba para eventos na capital paulista relacionados ao lançamento da nova edição de seu livro “O Gosto da Guerra” (Companhia das Letras).

“Fazer o que em São Paulo? O que não falta em São Paulo é gente, um a mais não vai fazer diferença”, brincava na semana passada, quando a reportagem o entrevistou na sua fazenda Forquilha, no município mineiro, para onde se mudou na pandemia.

Embora pareça charme, o fato é que Zé Hamilton gosta de verdade do campo. Passa os dias a contemplar os pássaros e a natureza, a ler e, sempre que possível, a prosear com o leiteiro Carlos Irineu, o Carlinhos, que ordenha as 23 vacas da propriedade, ou com seu vizinho e violeiro Júnior Borges.

Mora sozinho, mas está sempre acompanhado de funcionários da fazenda, da sobrinha Cristina, que vive em Uberaba e administra a propriedade, e recebe visitas frequentes das filhas, as jornalistas Teté e Ana.

Conhece a fundo os bichos, códigos e a cultura da região. Diante de um grasnar esquisito ao repórter e à fotógrafa, ele decretou: gralha! Era mesmo. Mais adiante, um pássaro de bico pontudo ciscava pelo terreiro. “É curicaca”. Era mesmo.

No caminho até o curral, num fim de tarde, outras aves pouco familiares a urbanos surgem na beira da estrada. “Saracura. Essa é a hora de elas saírem para passear.” Numa árvore seca, um batalhão de urubus: “É sinal de que morreu uma rês aí pra baixo”. Tinha morrido mesmo.

No curral, conversa com Carlinhos. Comentam sobre o lançamento do livro. “Tem que escrever livro mesmo, sô, porque com essa seca… Tá braba, tá queimando tudo.” Zé Hamilton quer saber mais sobre a estiagem –faz cerca de três meses que não chove para valer na região.

“Uai, seu Zé, vai continuar braba demais, olha o céu…”. O crepúsculo é de um laranja plúmbeo, o ar está carregado, nada de vento. “Não tem sinal de chuva de jeito nenhum. Esse ano pode prevenir fogo.”

Em tempos de chuva, as vacas produzem 300 litros de leite por dia. Na seca, uns 220 litros. “Carlinhos, e o frio esse ano?”. “Seu Zé, esse ano não vai ter frio. Aqui já teve mês de junho que a gente pisava no gelo.” “Que bom”, festeja o jornalista. “Quem gosta de frio é pneumonia e IML”, graceja, repetindo uma de suas frases favoritas.

De repente, a prosa muda radicalmente, e os dois trocam impressões sobre a Guerra da Ucrânia e o poder de Vladimir Putin.

Na volta para casa, diante de uma pequena lagoa, surge a história de um jacaré que vivia ali. “Chamava-se Duque”, informa Zé Hamilton. “Comia frango de granja.”

Na varanda de casa, a pilha de livros ao lado da rede onde gosta de se espichar para ler tem edições de “Crítica da Razão Pura”, clássico do filósofo alemão Immanuel Kant (“É, mas não estou lendo mesmo não, só dando uma beliscadinha”), “Humanidade: Uma História Otimista do Homem”, do historiador holandês Rutger Bregman, “Aves Brasileiras e Plantas que as Atraem”, de Johan e Christian Dalgas Frisch, entre muitos outros.

Gosta de ler os jornais –devora os exemplares da Folha de S.Paulo que lhe chegam– e acompanha o noticiário pela TV. O apetite está tinindo: é um comedor voraz de melancia, toma café o dia inteiro e vez por outra aprecia um trago de vinho do Porto. Aos 88 anos (faz 89 em agosto), queixa-se de que a memória “já está claudicando”.

Mas em muitos momentos se recorda com nitidez de sua trajetória de 67 anos de jornalismo, nos quais ganhou sete vezes o prêmio Esso, por anos o mais importante do país. Começou com 19 anos, em 1954, no diário paulistano O Tempo. Depois trabalhou na Folha de S.Paulo (na época ainda Folha da Manhã e Folha da Noite) e em revistas da editora Abril (Quatro Rodas, Veja e Realidade).

Nesta última, fez a cobertura da Guerra do Vietnã e algumas reportagens célebres, algumas delas reunidas na nova edição de “O Gosto da Guerra”, pela coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras.

Nascido em Santa Rosa do Viterbo, na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo próximo à divisa com Minas, conta que o gosto pela aventura o levou ao jornalismo. “Eu sou de uma cidade pequena, de uma realidade restrita. Então você fica muito curioso para ver o que tem além disso.”

Durante a ditadura, passou a atuar em jornais menores do interior de São Paulo. “A grande imprensa estava muito sob vigilância dos militares. Como não se conseguia fazer jornalismo na grande imprensa, talvez num ecossistema menor você tivesse a capacidade de fazer alguma coisa”, recorda.

Reinventou-se na televisão a partir de 1981, quando passou a trabalhar no recém-inaugurado Globo Rural, da TV Globo, onde permaneceu até 2021, com reportagens originais sobre culturas —em todos os sentidos— dos interiores do Brasil.

Foi uma maneira de se conectar com suas raízes. “[Ir trabalhar no Globo Rural] foi uma forma de, ganhando a vida, reconhecer e considerar a minha origem. Eu gosto muito de uma frase do Almir Sater que diz: o simples é muito importante. Se você fizer o simples, e fizer bem feito, já está muito bom, não precisa mais nada”, observa, e solta uma risada.

Por tudo isso, lhe é custosa a complexidade caótica da metrópole. Mas, já instalado em São Paulo, cumprirá nos próximos dias (muito agasalhado, se a temperatura cair) uma pequena turnê articulada pela filha Teté, jornalista na Folha de S.Paulo.

Ela assina a apresentação de uma exposição de fotos sobre cobertura de guerras do século 20 a ser aberta no próximo dia 10, às 19h, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, onde “O Gosto da Guerra” será lançado com um bate-papo entre Zé Hamilton e uma colega que também cobriu guerras, Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S.Paulo que escreveu o posfácio da nova edição do livro.

Além de fotos da Guerra do Vietnã, feitas por Zé Hamilton e pelo fotógrafo que o acompanhou na cobertura, o japonês Keisaburo Shimamoto, a mostra reunirá imagens de profissionais como André Liohn, Hélio Campos Mello, Yan Boechat, Juca Martins e Leão Serva.

Antes, no sábado, dia 6 de julho, às 16h, Zé Hamilton estará no estande da Companhia das Letras na Feira do Livro do Pacaembu, onde estarão disponíveis exemplares autografados de “O Gosto da Guerra”.

A propósito, para alívio do autor, a previsão do tempo informa que o inverno paulistano continuará quente.

‘O GOSTO DA GUERRA – LANÇAMENTO’

– Quando 6/07, às 16h

– Onde No estande da Companhia das Letras na Feira do Livro do Pacaembu (estacionamento do estádio, praça Charles Miller), São Paulo-SP

O GOSTO DA GUERRA – EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA E BATE-PAPO

– Quando De 10/07 a 27/07; visitação de 3ª a dom., a partir das10h; no dia da abertura, haverá um bate-papo entre José Hamilton Ribeiro e Patrícia Campos Mello, às 19h

– Onde MIS-SP (Av. Europa, 158 Jd. Europa, São Paulo-SP

FABIO VICTOR / Folhapress

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