Jovem autista de SP conquista 76 medalhas em olimpíadas científicas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ele tinha 11 anos quando começou a frequentar turmas avançadas do ensino médio que treinavam para olimpíadas científicas de biologia, física, química, matemática e astronomia. Por um tempo, se manteve de igual para igual com os alunos mais velhos no aprendizado. Logo os ultrapassou. Hoje, aos 16, chega a superar os professores.

Superdotado e autista, Alexandre Andrade de Almeida coleciona medalhas de olimpíadas do conhecimento. Já são 76, conquistadas em competições nacionais e internacionais. Na maioria, ficou em primeiro lugar, e as medalhas de ouro viraram rotina. Na semana passada, venceu a Olimpíada Ibero-Americana de Física, realizada na Costa Rica. No início de setembro, na Espanha, havia recebido o ouro dentre os brasileiros na Olimpíada Ibero-Americana de Biologia e a prata na pontuação geral.

Em um programa da Nasa em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Caça Asteroides, em que estudantes analisam imagens de telescópio, Alexandre identificou dois possíveis novos asteroides, o que já foi certificado pelo IASC (Colaboração Internacional de Pesquisa Astronômica, em inglês).

Estudar, estudar e estudar são as paixões de Alexandre, nem era preciso dizer. Ele pensa alguns segundos para responder o que mais gosta de fazer. “Brincar com meus cachorros”, diz. “Também jogo xadrez e toco piano. Gosto de pensar nas relações matemáticas da música.” Videogame, ele joga “um pouquinho”. Rede social ele tem por obrigação, para se comunicar com a turma da escola e das olimpíadas.

Por livros, é aficionado, todos eles acadêmicos, de nível universitário. Diz ler vários ao mesmo tempo e, atualmente, entre outros, tem na cabeceira “Princípios da Bioquímica de Lehninger”, adotado por faculdades de medicina, um tratado de eletromagnetismo de Edward Purcell, Nobel de Física, estudado por alunos de engenharia, e “Química Orgânica”, de John McMurry, considerado um clássico dessa área no ensino superior.

Desde os dez anos, lê livros assim. Foi com essa idade que Alexandre foi matriculado no Colégio Objetivo, que tem um programa para superdotados –hoje ele está no 2º ano do ensino médio do Objetivo Integrado, que reúne alunos de alta performance.

No ensino fundamental, Alexandre estudava de manhã com a turma da sua idade na unidade da rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, e, à tarde, ia para a sede da avenida Paulista participar das aulas de olimpíadas do conhecimento com o ensino médio.

Desde o início, ficou claro para a escola que Alexandre teria condição de pular estágios e se matricular com os mais velhos, como o personagem Sheldon, das séries “Young Sheldon” e “Big Bang Theory”, que entrou na faculdade aos 11. “Nós sempre conversamos sobre isso com ele”, conta a mãe de Alexandre, Paula Almeida, 42. “Ele olhava o material didático das séries mais avançadas e dizia: ‘Eu sei praticamente tudo isso. Mas tem uma linha aqui que não sei. E se isso for um tijolinho do conhecimento que lá na frente poderá me fazer falta?’. Então ele preferiu não pular nenhuma etapa.”

E tem um outro bom motivo para Alexandre não trocar logo a escola por uma faculdade (ele quer fazer medicina na USP): as olimpíadas científicas. Como um atleta, é disputado pelas equipes das diferentes disciplinas.

A dúvida que vem, naturalmente, é: Não é chato assistir a uma aula em que você já sabe tudo, ou praticamente tudo? Não. Para Alexandre, aula é a coisa mais legal do mundo. “Aula é sempre um momento de aprendizado”, ele responde. “Revisão também é uma forma de aprender. E sempre é possível aprender sob uma nova ótica, uma outra interpretação. Eu acho fundamental ter outras visões.”

Ele diz que entende quando os professores precisam desacelerar. “Sempre soube que a aula não é particular, é para uma turma. Se o professor está ajudando alunos mais atrasados, posso ficar fazendo exercícios da apostila ou adiantando outras matérias.”

A dificuldade, para ele é se relacionar socialmente com pessoas de sua idade. Prefere estar entre os mais velhos, mas também gosta de ensinar ciências para as crianças bem menores.

Não se sente cobrado para fazer os programas mais comuns da adolescência. “Ele prefere ficar em casa estudando a ir ao cinema, e é bem resolvido com isso”, diz a mãe. O diagnóstico de autismo e de superdotação (ele tem 140 de QI, enquanto a inteligência média gira em torno de 90), que recebeu em 2021, ajudou os pais a compreendê-lo. “Foi bom ter esse laudo. Minha mãe se preocupava por eu não me socializar muito”, ele conta.

Paula concorda: “Eu aprendi a não me machucar com isso. As pessoas tendem a pensar em autismo só como algo muito ruim, é preciso tirar esse mito”, afirma.

“O Alexandre é doce, tranquilo e tem um mundo próprio. Não sofre as angústias mais comuns da adolescência”, afirma. “Ele se entusiasma quando ganha um livro, um pêndulo de física ou uma pipeta para fazer experimentos. Eu me incomodava, achava que ele era sozinho, mas eu entendi que ele é feliz assim. As pessoas são únicas, não precisamos enquadrá-las em categorias”, ensina a mãe.

O respeito às especificidades de Alexandre foi fundamental para que Fernando Paiva, 44, professor das olimpíadas de biologia, conseguisse conquistar a confiança e o afeto do jovem e se tornasse seu mentor. “Nossa relação foi uma construção de muito tempo. Para conseguir que ele me respondesse um ‘bom dia’, um ‘boa tarde’, acho que levei uns seis anos”, conta o professor.

Sentado ao seu lado, Alexandre dá uma gargalhada. “Viu!?”, aponta o professor. “Hoje ele consegue até dar risada de mim!”

Ao seu modo, Alexandre se emociona, sim. “Ele encara as coisas com racionalidade”, conta a mãe. “Não deixa de ter as emoções, mas de um outro jeito.”

Foi assim quando, em maio, seu pai, que tinha 87 anos, morreu. “Sinto a falta dele. Mas, quando isso acontece, lembro que aproveitamos o tempo que tivemos juntos”, diz o jovem.

LAURA MATTOS / Folhapress

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