SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A necessidade de cuidar dos filhos e da casa são as principais dificuldades enfrentadas pelas mães que decidem voltar a estudar. Por essa razão, as matrículas para cursos de formação de adultos sempre tiveram um perfil majoritariamente mais velho.
Quem entrasse em uma sala de aula de EJA (Educação de Jovens e Adultos) até o início dos anos 2000, se depararia com senhoras e senhores idosos, geralmente vindos do campo e em busca de educação escolar. Hoje, a EJA muda para atender um novo público: mães jovens que decidiram voltar a estudar.
“O perfil dos estudantes de EJA está mudando. Quando a gente olha para a média de idade dos alunos, 27 anos, é baixo”, diz Roberta Panico diretora-executiva da Roda Educativa, organização não governamental que milita por uma educação pública, gratuita e de qualidade, a partir de dados do Censo Escolar 2023.
Ela associa o rejuvenescimento da modalidade a uma trajetória de fracasso escolar.
“O país ainda tem muito problema com repetência de estudantes, com o abandono por conta do trabalho e com a gravidez precoce, então a EJA se tornou a forma que essas estudantes encontram para voltar à escola”, completa.
Lissandra Cassiano, tem 31 anos e teve a primeira filha aos 15 anos. Estudava de manhã, já que seu primeiro marido, pai de sua primeira filha, tinha comportamentos machistas e acreditava que o ensino noturno não era “ambiente para uma mulher casada”.
Um dia, sua filha teve febre na mesma data em que ela teria uma prova na escola. Para não faltar, pediu ao pai da menina que a levasse ao médico. Ele recusou. Depois de fazer a avaliação e ir com a filha ao hospital, ela concluiu que o relacionamento não teria futuro e decidiu se separar.
Ao saber disso, o ex-marido parou de pagar a babá que ajudava Cassiano. Ela teve que estudar à noite, através do EJA. Os avós dela, que na prática eram seus pais adotivos, a incentivaram a estudar, embora tivessem baixa educação formal, mas ela era responsável por cuidar da casa, dos avós e de sua filha.
Depois de concluir o ensino médio, Cassiano quis cursar pedagogia por uma vontade de entender porque a educação é sempre negligenciada, apesar de todos os governos afirmarem que ela é prioridade.
Na graduação ela ficou grávida novamente. Se separou do segundo marido, porque, segundo ela, ele não era comprometido com o auxílio nas tarefas domésticas e no cuidado com a filha. O trabalho com o qual concluiu sua graduação foi sobre mães que, como ela, voltaram a estudar. “O machismo e a falta de apoio e a divisão sexual do trabalho do cuidado são traços característicos na trajetória dessas mulheres”, diz.
O marido de Tânia Souza Santos não aceitava que ela estudasse. Hoje, com 46 anos, viúva e três filhos, um deles de 15 anos, Santos cursa o terceiro ano do ensino fundamental no Cieja (Centro de Educação de Jovens e Adultos) Paulo Emilio Vanzolini, que fica no Cambuci, na região central de São Paulo.
Ela afirma que os professores da escola são bastante compreensivos com as mães que precisam conciliar as rotinas de estudo com a maternidade.
Para a diretora da unidade, Adélia Ruotolo, acolher essas mães é necessário. Das 730 alunas matriculadas na unidade, 219 são mães (30%).
“Se uma mãe vem para a escola com a criança, eu não vou mandar ela embora. Vou acolher a mãe e a criança”, diz.
Na EMEF Espaço de Bitita, localizada no Canindé, na zona norte da capital, a EJA começou a funcionar em 2019 após uma pesquisa com a comunidade escolar. A partir de entrevistas realizadas com os pais dos alunos, descobriu-se que 53% não haviam concluído o ensino médio, sendo 54% mulheres.
O diretor da escola, Claudio Marques da Silva Neto, afirma que a demanda é crescente. “Primeiro a gente precisa oferecer, aí a demanda aparece e depois cresce”, afirma. Para garantir que jovens mães também possam estudar, a escola possui uma sala de acolhimento, cuja equipe é composta por voluntários. “Lá as crianças ouvem histórias, assistem filmes ou fazem desenhos”, detalha o gestor.
Jhonatan Almada, diretor do Ciepp (Centro de Inovação para Excelência das Políticas Públicas), diz que a meta dez do Plano Nacional de Educação visava garantir que 25% das matrículas da educação de jovens e adultos estivessem integradas à educação profissional. Em 2022, este número é de apenas 3,5%
As matrículas na educação de jovens e adultos tiveram uma queda de quase 30% entre 2014 e 2022. Para estancar essa queda, Almada afirma que as políticas públicas não podem ser descontinuadas.
“Havia um programa chamado pró-jovem, que previa até um incentivo financeiro para os estudantes da EJA não abandonassem as aulas, infelizmente ele foi descontinuado”, diz.
Cassiano lamenta que o EJA, não seja para as mulheres uma porta de entrada para a faculdade. “É preciso incentivar essas pessoas a fazer um curso superior, eu sou uma exceção, lamenta”, afirma.
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RAPHAEL PRETO PEREIRA / Folhapress