SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo em um ciclo consistente de queda na Selic (a taxa básica de juros), que saiu de 13,75% para 10,75% a ano desde agosto de 2023, as taxas de juros de longo prazo no Brasil voltaram a subir e estão operando em seus maiores patamares desde setembro.
Desde o início de 2024, os contratos de juros com vencimento em janeiro de 2033 subiram de 10,36% para 11,35% -e vêm renovando suas máximas do ano diariamente.
Nessa onda, os títulos de longo prazo do Tesouro Nacional dispararam. Os títulos indexados ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) com vencimento em dez anos, por exemplo, passaram de uma taxa de 5,33% no início do ano para 5,92% agora.
Para analistas, o aperto nas taxas está ligado principalmente às expectativas sobre o início do ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos. No Brasil, incertezas sobre o cenário fiscal e dados fortes de atividade também preocupam, ainda que em menor grau.
O estrategista-chefe da Warren Rena, Sergio Goldestein, destaca que as taxas de juros domésticas de longo prazo são mais sensíveis ao movimento das taxas americanas, que também estão em trajetória de alta. Os rendimentos dos títulos de dez anos do Tesouro americano, por exemplo, saltaram de 3,88% para 4,37% desde o início do ano.
O movimento ocorre por causa de um adiamento, desde o fim do ano passado, das apostas sobre quando os juros americanos vão começar a cair.
Em dezembro de 2023, boa parte do mercado acreditava que o afrouxamento monetário nos Estados Unidos teria início em março deste ano, após números mais fracos de inflação e emprego no país.
Agora, o consenso é que o primeiro corte de juros só deve ocorrer em junho -e o risco de um adiamento ainda maior não está descartado.
“O mercado se beneficiou da expectativa de queda no ano passado. Agora, os [países] emergentes são os mais penalizados [pelo adiamento], e as apostas nem veem 100% de chance de corte em junho, ainda mais com um discurso cauteloso do Fed [banco central americano]”, diz Goldestein.
Ele lembra, ainda, que a subida de juros nos EUA também tem causado uma desvalorização do real ante o dólar, impactando ainda mais o mercado local.
Adicionando mais pressão às taxas americanas, um relatório de emprego divulgado nesta sexta (5) apontou a criação de 300 mil vagas no país, bastante acima das 200 mil esperadas pelo mercado.
O dado desencadeou uma nova sessão de subida de juros e desvalorização do real, que voltou ao patamar de R$ 5,06.
No cenário interno, as curvas vêm sendo afetadas por incertezas sobre o cumprimento das metas fiscais pelo governo, que aumentam o prêmio de risco do país, e por dados resilientes de inflação e mercado de trabalho, que podem dificultar a manutenção do ritmo de cortes da Selic promovido pelo Banco Central.
Para Roberto Motta, estrategista macro da Genial Investimentos, a percepção sobre o cenário fiscal brasileiro vem se deteriorando por causa de ruídos sobre uma possível mudança na meta de déficit zero em 2024 e de superávit de 0,5% em 2025, estabelecidas pelo novo arcabouço fiscal.
O ceticismo sobre o cumprimento da meta neste ano também permanece, e a avaliação é que as medidas de aumento de arrecadação do governo não serão suficientes para garantir o déficit zero neste ano.
Segundo o último boletim Focus, a projeção do mercado é de déficit de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.
Nesse cenário, o CDS (Credit Default Swap) do Brasil com prazo de cinco anos subiu quase 12% desde o início do ano. O indicador é como um “seguro contra calote” e funciona como um termômetro da confiança de investidores: quando ele sobe, aponta que a percepção de risco está aumentando e vice-versa.
“Temos risco fiscal, o Tesouro precisando se financiar -e sem participação de estrangeiros nos últimos leilões- e a concorrência dos juros globais longos. Juntando tudo isso, as pessoas veem pouco apetite neste momento para alongar a renda fixa brasileira, e por isso o juro longo do Brasil está com um comportamento bastante volátil”, diz Motta.
Além disso, a última leitura do IPCA mostrou que a inflação no Brasil acelerou para 0,83% em fevereiro, acima das expectativas do mercado, e acumulou elevação de 4,5% em 12 meses. No setor de serviço, acompanhado de perto pelo BC, o índice é de 5,25%.
No mercado de trabalho, a criação de vagas medida pelo Caged também veio acima das projeções e causou sobressalto no mercado de juros por indicar força da atividade econômica e possivelmente alterar o plano de voo do Copom (Comitê de Política Monetária).
“Temos visto uma inflação mais resiliente, principalmente no setor de serviços, por causa de um mercado de trabalho mais aquecido. Isso parece estar gerando certo desconforto para o Banco Central estender por mais tempo o ciclo de corte de juros”, diz Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank.
O comitê reforçou a incerteza sobre as taxas ao trocar, em seu último comunicado, o trecho em que projetava reduções de juros na magnitude de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões. Agora, o Copom projeta o corte apenas “na próxima reunião”.
“O Banco Central está um pouco mais preocupado, quer ter mais flexibilidade. Se a incerteza, seja interna, seja externa, está maior, ele quer ter um grau de liberdade, e não ficar sinalizando o que vai ocorrer nas próximas duas reuniões. Mas não necessariamente vai reduzir [o ritmo], mas ele está mais dependente dos dados”, diz Goldestein, da Warren.
Para quem deseja surfar na onda dos títulos do Tesouro, as taxas mais altas são atrativos para estratégias de longo prazo, como investimento para Previdência.
As incertezas sobre o cenário fiscal, no entanto, podem trazer risco aos vencimentos mais longos, já que a probabilidade de oscilação é maior. Por isso, aportes em pequenas partes podem ser a melhor opção.
MARCELO AZEVEDO / Folhapress