SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A empresa alemã Bosch foi condenada pela 1ª Vara do Trabalho de Campinas (96 km de SP) a pagar R$ 1,8 milhão em indenizações individuais e coletiva após ser acusada da compra de laudos periciais na Justiça do Trabalho, descoberta na Operação Hipócrates.
A fabricante pode recorrer. A Bosch afirma à reportagem tratar-se de uma decisão de primeira instância, passível de recurso. “Assim, a empresa informa que está analisando medidas judiciais para recorrer da decisão. A Bosch reforça seu compromisso com a legalidade, em acordo com as diretrizes corporativas de conduta nos negócios”, diz nota da empresa.
O valor é menor do que o pedido pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), que solicitou condenação em R$ 68 milhões. A Bosch terá de pagar indenizações de R$ 30 mil para 27 trabalhadores, de R$ 15 mil para 59 profissionais e destinar R$ 100 mil ao fundo de Justiça a ser liberado a instituição escolhida pelo MPT.
As indenizações individuais correspondem ao total de 86 processos cancelados na Justiça após a operação, deflagrada pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal em 2016, com uma segunda fase em 2017.
De acordo com as denúncias, a empresa teria feito parte de um esquema de venda de laudos periciais na Justiça Trabalhista entre 2008 e 2013, denunciado em 2014.
As investigações apontam para o possível envolvimento de outras companhias, com duração até 2017, afetando processos nas regiões do TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), que abrange Campinas e Americana, e do TRT-2 (2ª Região), que atende São Paulo e o litoral paulista.
No caso da Bosch, no entanto, houve delação premiada de um assistente técnico da área jurídica que serviria, segundo a ação, de ponte entre os advogados da fabricante e os peritos judiciais envolvidos no esquema, fazendo o pagamento das propinas e da compra dos laudos.
O delator apresentou diversas provas, entre elas contrato de prestação de serviços fechado com a empresa e emails trocados nos quais se combinava o valor da propina e era apresentado o conteúdo dos laudos, antes mesmo de a Justiça ter acesso a eles.
A investigação começou em 2014, após denúncias do sindicato da categoria. Em 2016, foi deflagrada a Operação Hipócritas pela Polícia Federal, que realizou prisões e utilizou mandados de busca e apreensão para levar computadores e documentos de acusados, além de fazer buscas nos escritórios e consultórios. A acusação envolve 27 médicos.
Segundo a investigação, o esquema data de 2008 e teria resultado em movimentação de R$ 30 milhões. No caso da Bosch, o envolvimento teria começado ainda em 2008, quando a companhia teria contratado uma empresa de assessoria técnica judicial para auxiliar no pagamento de perícias médicas feitas legalmente e de forma periódica em trabalhadores de atividades especiais, apontam os autos.
O delator diz que foi procurado pelo advogado da Bosch, que teria solicitado auxílio para obter números melhores em ações trabalhistas, já que a empresa estaria perdendo muitos processos relativos a doenças e acidentes de trabalho. Segundo o processo, os dois fecharam contrato, que teria aval da Bosch.
De acordo com o que o delator afirmou à Justiça, o sucesso da parceria levou à renovação do contrato, quando as partes teriam decidido que a propina seria detalhada nas notas fiscais e no contrato, mas sob o nome de estudos técnicos bibliográficos. Nas notas, aponta o relato, a empresa liberava o dinheiro para pagar o perito para perícia legal periódica e o valor extra, que seria dividido entre peritos e envolvidos.
O delator disse que decidiu contar o que sabia e apresentar provas porque a empresa cortou seu contrato. No processo, a Bosch disse que o esquema teria chegado ao fim em 2013, e também que não ficou provado o envolvimento de seus funcionários nem a prática por parte da companhia.
A empresa afirmou, no processo, que não se tratava de causa para pagamento de alto valor, nem de indenização coletiva, já que os danos teriam sido apenas aos trabalhadores que tiveram processos julgados improcedentes.
O Judiciário entendeu, no entanto, que além da gravidade das denúncias individuais, o que levou ao cancelamento de 86 ações, houve dano à sociedade por se tratar de “conduta antijurídica, que atinge a coletividade” e que desrespeita o direito dos trabalhadores de acesso à Justiça.
A operação foi batizada de “Hipócritas” por referência ao juramento de Hipócrates feito por médicos em suas formaturas. Além disso, segundo o processo, médicos envolvidos no esquema de corrupção judicial, mantinham grupo no WhatsApp onde criticavam casos de corrupção no país.
O Grupo Bosch completa, neste ano, 70 anos de início no Brasil. Atualmente, emprega cerca de 10 mil colaboradores e registrou, em 2023, um faturamento líquido de R$ 7,9 bilhões com a oferta de produtos e serviços, que vão além da produção de ferramentas e, hoje, envolvem os setores de mobilidade e energia.
As operações do grupo na América Latina empregam cerca de 11,5 mil trabalhadores. O faturamento de 2023 ficou em R$ 9,8 bilhões, segundo a Bosch, incluindo exportações e vendas das empresas coligadas.
No mundo, a Bosch emprega cerca de 429 mil profissionais e faturou 91,6 bilhões de euros em 2023.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress