Justiça paulista manda censurar livro acadêmico sobre religião

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu manter sentença da primeira instância que censurou o livro “Religião e Conflito”, lançado em 2016 pela Editora Prismas, ao julgar uma ação de danos morais.

A decisão em segunda instância afirma que um capítulo escrito por Melvina Araújo, professora de antropologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e organizadora da obra, maculou a honra e ética profissional de Keila Pinezi, professora da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) e autora da interpelação.

Com isso, a Justiça obrigou a suspensão da divulgação e comercialização do livro em meios físicos e digitais até o lançamento de uma nova edição, sem os trechos considerados ofensivos, e o pagamento de multa de R$ 5.000 a Pinezi por Araújo.

A deliberação, do último dia 24, foi relatada em segunda instância pela desembargadora Monica Monassi, da 6ª Câmara de Direito Privado do tribunal.

A ação foi protocolada em 2020 em torno do capítulo “Controvérsias em torno do infantícidio indígena: religiosos e antropólogos em ação”, que busca analisar as estratégias de elaboração da Lei Muwaji, que trata do infanticídio indígena.

O projeto, que tramita no Congresso Nacional desde 2007, foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2015 e agora está no Senado. O nome da lei faz referência a uma mãe indígena que se rebelou contra tentativa de matar a filha por ter nascido com deficiência.

Nos autos, Pinezi argumentou que o trecho escrito por Araújo ofende sua honra, por insinuações de que teria alterado dados em relação à sua formação acadêmica, e que essas incongruências estariam também em artigos escritos por ela.

A juíza Ana Paula Franchito Cypriano concordou com a argumentação e condenou Araújo em 2021, obrigando a suspensão da circulação do livro até o lançamento de uma nova edição sem o capítulo, e o pagamento de R$ 7.000 em multa por danos morais — na segunda instância a quantia foi reduzida em R$ 2.000.

Araújo, que também é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), afirmou não conhecer Pinezi, e diz tê-la citado diversas vezes no capítulo porque ela participou de várias audiências públicas para discussão do projeto de lei em questão, sendo parte importante para o desenvolvimento da pesquisa.

Ressaltou ainda não fazer inferências sobre a professora da UFTM no livro e disse que obteve as citações a partir de obras em que ela assina como autora e das citações feitas a Pinezi por terceiros. Por fim, Araújo diz que recorrerá da decisão até a última instância possível.

Já Keila Pinezi afirma que, embora o livro tenha sido lançado em 2016, só tomou conhecimento do conteúdo em 2019 após divulgação online e que tentou a solução extrajudicial com a professora da Unifesp de diversas formas, sem sucesso.

Afirmou ainda que Araújo foi contactada inúmeras vezes e por várias formas –por meio de um instituto de mediação de conflitos, por email, por carta registrada–, sem qualquer retorno por parte dela.

Por fim, diz entender que a liberdade de cátedra é irrenunciável no Estado democrático de Direito, mas ponderou que essa garantia está limitada pela necessidade de se buscar informação verdadeira e detalhada para ser transmitida aos leitores.

O Cebrap emitiu nota nesta quinta-feira (31) em repúdio à decisão da Justiça paulista, afirmando ver com preocupação a atuação do Judiciário na produção de conhecimento científico, e disse haver restrição na circulação do que é debatido e produzido academicamente.

Redação / Folhapress

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