SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) proibiu nesta quarta-feira (14), que a Meta use os dados não criptografados dos usuários do WhatsApp para direcionar anúncios de suas outras plataformas –Facebook e Instagram. A decisão é liminar (provisória).
A decisão atende à ação civil pública de R$ 1,7 bilhão ajuizada por MPF (Ministério Público Federal) e Idec (Instituto de Defesa de Consumidores). As entidades acusam o WhatsApp de ter confundido as pessoas para conseguir consentimento para compartilhar dados entre suas plataformas.
A liminar também determina que o WhatsApp disponibilize, “de forma clara e objetiva, simples e de fácil acesso”, uma opção de controle para que o usuário decida se quer ou não que seus dados sejam compartilhados com as empresas do grupo Meta.
O conglomerado de redes sociais tem 90 dias corridos para se adequar à decisão e ainda pode recorrer. O descumprimento da pena será punido com multa de R$ 200 mil ao dia. Procurada, a Meta não respondeu até a publicação desta reportagem.
A decisão atende parcialmente ao pedido de liminar do MPF e do Idec, uma vez que avalia apenas o caso do WhatsApp. Na ação, as entidades argumentam que a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) foi ineficiente e pouco transparente ao avaliar denúncias sobre supostas infrações da Meta à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e pedem acesso aos pareceres elaborados pela autoridade durante as investigações que transcorreram entre 2021 e 2023.
O juiz Luís Gustavo Bregalda Neves, do TJ-SP, afirma na decisão que não avaliou o mérito das denúncias contra a ANPD, uma vez que a entidade ainda não foi notificada pela Justiça.
O WhatsApp procurou a Justiça antes mesmo de ser intimado para afirmar que o valor de indenização de R$ 1,7 bilhão, o maior registrado em uma causa de direitos digitais no país, era desproporcional.
Neves, contudo, diz na decisão que o montante, dividido pelos 147 milhões de usuários do aplicativo de mensagens no país, significa R$ 12 por pessoa. “Como não é possível, ao menos neste momento, mensurar o valor do suposto dano aos direitos consumeristas, ora em debate, bem como que a efetiva constatação desses eventuais danos morais coletivos demandará ampla dilação probatória, mantenho o valor atribuído à causa.”
A ACP trata da política de privacidade adotada pelo aplicativo de mensagens em 2021 e que ainda está em vigor. As instituições dizem que o WhatsApp “forçou as pessoas a aderirem” à política de compartilhamento de dados entre as plataformas do grupo Meta, também dono do Instagram e do Facebook.
O MPF diz que a conduta da Meta em 2021 foi ilegal, ao ferir os direitos à ampla informação e à proteção de coação durante a manifestação de consentimento para o uso de dados pessoais pelo mercado. As práticas do conglomerado de redes sociais ainda teriam ferido o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor, conforme os autos da ação civil pública.
Em 2021, a Meta informou que intensificou o compartilhamento de dados, iniciado em 2016, com outras empresas. Isso foi feito a partir de uma janela no alto do WhatsApp, com a indicação “toque para ler mais”.
Em um primeiro momento, a Meta dizia que as conversas pessoais continuariam a ser protegidas por criptografia. Na página seguinte, dizia que compartilharia informações do WhatsApp com empresas do grupo Meta e com terceiros, que poderiam gerenciar conversas com clientes a partir de uma plataforma do Facebook.
Aceitar essa mudança era uma condição para continuar usando o WhatsApp. “Era um pegar ou largar”, afirma a advogada do Idec, Camila Contri.
Em nota divulgada na época, o WhatsApp afirmou que quando o Facebook atuava como um provedor de hospedagem para uma empresa, usa as mensagens que processa em nome e sob as instruções dessa empresa. “Esta é uma prática padrão da indústria entre muitas empresas que oferecem soluções de hospedagem”, disse, acrescentando que as empresas poderiam usar os chats que recebem para seus próprios fins de marketing, o que poderia incluir publicidade no Facebook.
Segundo a política de privacidade da companhia, a Meta compartilha informações de contatos, fotos e descrições de grupos, quem vê conteúdos publicados nos status (stories do WhatsApp), comunicação com empresas registradas no WhatsApp Business, transações, entre outras.
Após a publicação de reportagem da Folha de S.Paulo com instruções para impedir esse compartilhamento de dados, usuários informaram o jornal de que tiveram seus pedidos recusados pela Meta. “Analisamos a sua solicitação e parece que você está se opondo ao tratamento dos seus dados pessoais. Entretanto, concluímos que o tratamento de informações para a finalidade indicada está de acordo com a lei aplicável.”
Para Contri, do Idec, quem recebeu essa resposta da Apple pode procurar a ANPD para denunciar uma “obstrução dos direitos de titular de dados”. “Essa postura da Meta ressalta a relevância da nossa ação.”
A ação civil pública compara a situação brasileira com a europeia. Lá, a comissão irlandesa de proteção de dados (DPC) multou a Meta em 225 milhões de euros (R$ 1,328 bilhão na cotação atual), após investigar as informações compartilhadas entre o WhatsApp e outras empresas do conglomerado. A operação europeia da Meta tem sede na Irlanda, onde o órgão regulador tem postura menos rígida, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.
Segundo o fundador do Centro Europeu de Privacidade (NOYB), Max Schrems, a Meta usava informações do WhatsApp para direcionar publicidade no Instagram e no Facebook. Essa prática foi vetada pelo DMA (ato de mercados digitais), legislação contra monopólios digitais da Europa.
O Idec diz, nos autos, que a Meta trata os brasileiros como cidadão de segunda classe, ao tratar os usuários locais em piores condições do que os europeus, uma vez que a empresa informou com mais detalhes os residentes da União Europeia sobre esse tratamento de dados e depois o limitou, mediante decisão judicial.
Esse tratamento continua em curso no Brasil, de acordo com a advogada do Idec, Camila Contri. “A Meta pode perceber se o usuário deixa de manter conversas com um contato frequente, supor que se trata de um familiar ou de uma relação romântica, e passar a indicar livros de autoajuda como publicidade”, afirma.
Esse compartilhamento não tem distinção entre crianças, adolescentes e adultos, segundo a ação civil pública.
PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress