Justiça suspende assinatura de contrato de livros didáticos do governo de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça paulista determinou, por meio de uma decisão liminar, a suspensão da assinatura de um contrato entre o governo de São Paulo e a empresa vencedora de uma licitação para a impressão de livros didáticos, no valor de R$ 220 milhões.

A decisão judicial mencionou “fortes indícios” de falsificação na documentação apresentada pela empresa que venceu o lote 1 do pregão.

A liminar foi concedida pelo juiz Fausto Seabra, da 3ª Vara da Fazenda Pública, na última sexta-feira (19), em um processo aberto pela gráfica Plural, que ficou em segundo lugar na licitação.

A empresa vencedora foi a Littere, que está sendo acusada pela Plural de apresentar documentos falsos para atestar a sua capacidade técnica para produzir a quantidade de exemplares exigida pelo edital.

O total é de 25,6 milhões de livros, cujo conteúdo é elaborado pela Secretaria da Educação, relacionado ao Currículo Paulista. No caso da primeira leva de exemplares, mais de 1,6 milhão, trata-se do caderno de aluno, ou seja, que contém atividades, para o fundamental 1 (1º ao 5º ano), com conteúdo do 2º bimestre, que começou nesta segunda-feira (22).

A Secretaria da Educação diz que “os materiais estão sendo entregues conforme o cronograma previsto”.

O processo licitatório foi conturbado, cheio de reviravoltas. O pregão eletrônico foi realizado em 1º de fevereiro deste ano. Após a homologação do resultado, a Littere, de acordo com a concorrente, não apresentou, no prazo determinado, documentos necessários para a celebração do contrato.

Com isso, a Secretaria de Educação tirou a empresa da licitação e convocou a Plural, uma vez que ela havia sido a segunda colocada no pregão.

O contrato com a Plural foi assinado no dia 1º de abril, e a gráfica afirma que, em seguida, iniciou a impressão dos livros.

Dias depois, contudo, houve uma nova guinada. A Secretaria de Educação cancelou o contrato com a Plural em 5 de abril, reconvocou a Littere para o envio dos documentos, e, posteriormente, o contrato foi assinado.

Na decisão sobre essa mudança, publicada no Diário Oficial do estado, o governo paulista cita a “reanálise dos atos administrativos” e a “prerrogativa da administração pública de rever os próprios atos”. A essa altura, no entanto, a Plural afirma que todos os mais de 1,6 milhão de exemplares já haviam sido impressos. O custo total dessa primeira parte da encomenda é da R$ 14 milhões.

Em nota à Folha de S.Paulo, a Secretaria da Educação afirmou que “acionou a Controladoria Geral do Estado e instaurou uma sindicância para apurar os fatos relativos à licitação”. Disse que “os servidores envolvidos no certame foram afastados preventivamente”.

Na última terça-feira (23), a Plural enviou uma petição à Justiça afirmando que a liminar foi descumprida pelo governo de São Paulo, assinando o contrato com a Littere, contrariamente à ordem do juiz.

Segundo a Littere, não houve descumprimento da decisão, pois o contrato teria sido assinado em 18 de abril, véspera, portanto, da liminar. A Secretaria de Educação diz que não foi “notificada sobre qualquer decisão judicial sobre o caso”.

O acordo foi assinado à mão, apesar de o processo ser eletrônico e de, habitualmente, as assinaturas serem digitais. A Littere disse que tudo foi feito respeitando as normas do edital e da licitação.

A empresa tem sede em Fortaleza, mas afirma ter representação em São Paulo. A Plural, localiza-se em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo –até janeiro de 2022, a gráfica pertencia ao Grupo Folha, mas foi vendida.

Os conteúdos de todos os livros didáticos dessa licitação são os elaborados pela Secretaria de Educação de São Paulo, que optou por ter esse material próprio além do que já recebe gratuitamente do governo federal por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). O conteúdo impresso se relaciona ao digital, também elaborado pela secretaria.

A licitação para a impressão desse material teve três lotes. Além desse primeiro, de R$ 220 milhões, o segundo foi de quase R$ 163 milhões e o terceiro, de R$ 128 milhões. No total, serão mais de R$ 511 milhões, para 54,8 milhões de exemplares.

Em nota, a Plural afirmou que “estamos diante de uma aberração jurídica, com uma quantidade incontável de ‘equívocos’, sob o pretexto de correção de atos administrativos”. “Mesmo impedida por decisão judicial, a Secretaria de Educação contrata, para executar o objeto do contrato que já estava 100% produzido e pronto para entrega, uma empresa que apresentou documentos com fortes indícios de falsidade, além de outras irregularidades processuais”, afirmou. “O que temos por ora são os alunos sem livros e o risco de o governo ter que pagar duas vezes se continuar com esse desvirtuamento licitatório.”

OUTRO LADO

Procurada pela Folha de S.Paulo, a Littere afirmou que todos os livros já foram impressos e negou as acusações. “Todos os documentos apresentados pela Littere são legítimos e correspondem aos originais”, afirmou, por meio de nota. “Cabe ressaltar que a análise sobre a veracidade de toda documentação apresentada em qualquer processo licitatório é de competência do órgão licitador, e não de um concorrente derrotado”, completou.

Disse que sua capacidade técnica “foi devidamente comprovada, tanto que se consagrou vencedora”. “O edital é rigoroso na comprovação da capacidade técnica e todos os documentos apresentados foram rigorosamente analisados pela comissão de licitação.” Sobre a assinatura à mão, afirmou que todos os atos praticados no processo licitatório em questão obedeceram rigorosamente às normas.

Também questionou a liminar. “Ao nosso ver carece de competência jurisdicional, face o mesmo tema já ter sido enfrentado em primeira e segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu pela improcedência do pedido.”

A Littere se refere a um outro pedido feito pela Plural à Justiça, no início de março, para acompanhar uma eventual vistoria que poderia ser feita pela Secretaria de Educação no parque gráfico da Littere. Esse pedido foi negado judicialmente em primeira e segunda instâncias pelo Tribunal de Justiça paulista.

Na nota à Folha de S.Paulo, a Littere também afirmou ter “duas décadas de contribuição com a educação do Brasil”. “Trata-se de uma instituição consolidada no setor educacional brasileiro, especializada na publicação e impressão de livros didáticos e paradidáticos. Com um parque gráfico próprio, a empresa produz uma vasta gama de títulos que abrangem diversas disciplinas do ensino regular. A Littere atende secretarias de educação de diversos estados como Ceará, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná.”

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo enviou à Folha de S.Paulo uma nota, que segue na íntegra:

“A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo acionou a Controladoria Geral do Estado (CGE) e instaurou uma sindicância para apurar os fatos relativos à licitação. Os servidores envolvidos no certame foram afastados preventivamente. A medida não impacta as atividades acadêmicas dos estudantes, que receberam o material didático para o primeiro semestre do ano letivo antes do início das aulas. Demais materiais estão sendo entregues conforme o cronograma previsto.

Lançada em dezembro de 2023, a licitação para a impressão de livros didáticos contou com a participação de quatro empresas e tinha um valor de referência de R$ 273,4 milhões.

A empresa vencedora apresentou uma proposta de R$ 220,1 milhões, com um desconto de R$ 60 milhões em relação à segunda colocada.

Durante o processo de homologação, a vencedora do certame entregou documentos fora do prazo, sendo desclassificada erroneamente antes que pudesse recorrer da medida. Após essa constatação e a comprovação da capacidade técnica para a execução do serviço, a empresa foi reclassificada e homologada. Até o momento, a Seduc não foi notificada sobre qualquer decisão judicial sobre o caso.”

LAURA MATTOS E FLÁVIO FERREIRA / Folhapress

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