BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Justiça do Pará determinou a suspensão de todas as atividades de comercialização de ouro no estado da Fênix DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários) por suspeita de comercialização do minério com origem no garimpo ilegal.
Segundo a investigação da PF (Polícia Federal), desde 2021 a empresa comprou cerca de R$ 3,5 bi em minério no Pará.
A decisão tem como base uma investigação da polícia feita no estado, que mirou um esquema envolvendo cooperativas de garimpo ligadas à companhia e que “esquentavam” o material extraído ilegalmente, registrando-o na nota fiscal como se tivesse origem em uma área legal.
A Justiça também autorizou busca e apreensão em endereços de envolvidos e bloqueio de bens em um total de quase R$ 550 milhões.
À Folha de S.Paulo a Fênix afirmou, por meio de nota, que todas as operações de compra citadas pela PF “apresentavam regularidades cadastrais, operacionais e documentais.”
A PF identificou que as lavras de garimpo de onde supostamente o ouro era extraído não tinham sinais de atividade o que é chamado de “esquentamento de ouro”.
Segundo os investigadores, cooperativas envolvidas arrendam lavras garimpeiras de moradores locais de regiões como Itaituba, um dos polos de extração ilegal no Pará. Depois, registram a origem do ouro como se fosse destes locais e vendem para a Fênix.
Ao olhar as imagens de satélite, no entanto, a PF notou que não havia indício de atividade garimpeira em tais lavras. A suspeita é que o minério seja extraído ilegalmente, inclusive de áreas de preservação, como florestas nacionais ou terras indígenas.
A Fênix é uma DTVM, ou seja, uma revendedora de ouro autorizada pelo Banco Central. Ela não atua na extração, mas na compra e revenda. A PF afirma que, por ser uma das principais empresas do setor na região, ela não pode ser considerada inexperiente na atividade a ponto de ter sido enganada.
De acordo com a PF, “há robustos indícios neste caso concreto demonstrando a conivência dela [Fênix] com o esquema descortinado” e “não há de se cogitar a presunção de boa-fé da empresa referida” uma vez que o ouro esquentado é “reiteradamente incorporado em seus estoques, especialmente procedente do Pará”.
A Fênix é apontada em um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) como uma das cinco maiores comerciantes de ouro ilegal do Brasil, e a cidade de Itaituba, origem da investigação da PF, como o principal polo de garimpo irregular do país.
Na investigação que motivou a suspensão das atividades da empresa, a PF identificou, por exemplo, uma lavra com registros de venda, de 2021 a 2022, de quase 1 tonelada de ouro, ou mais de R$ 250 milhões, a maior parte para a Fênix, sem que haja sinal de exploração do solo no local.
O dono de uma outra lavra apontada como fantasma, que seria a origem de 130 kg de minério comprado pela empresa, prestou depoimento à PF e disse que a companhia atuou diretamente para acobertar o esquema.
Segundo o relato, a negociação com a Fênix é feita por meio de um intermediário, que entrou em contato com uma proposta de arrendamento da lavra de garimpo em troca de 10% do lucro obtido.
Quando o dono do terreno aceitou, teria sido firmado um contrato com uma cooperativa, ligada à empresa, ainda de acordo com o relato.
À PF o homem disse que estranhou o fato de ter sido pago pelos rendimentos com venda de ouro sem que houvesse sinal de atividade na sua lavra.
“O acesso para a área da PLG [lavra garimpeira] é pela fazenda do declarante, sendo por essa razão que o declarante saberia se tivesse alguma atividade no local”, disse o proprietário da lavra à PF.
Segundo afirmou, o dono da lavra teria entrado em contato com a Fênix para questioná-la. Dias depois, a empresa teria dito que havia enviado uma equipe ao local, que teria atestado que toda a operação estava acontecendo dentro da lei a empresa nega que isso tenha acontecido.
Em outros casos, a investigação aponta que os titulares das lavras são familiares dos donos das cooperativas de garimpo ligadas à Fênix, ou sócios em empresas que também negociam ouro.
A Justiça determinou busca e apreensão, bloqueio de bens e suspensão das atividades relacionadas à mineração também de outras DTVMs, das cooperativas, dos sócios e de alguns titulares de lavras de garimpo.
O Pará é um dos estados que tem o maior índice de garimpo ilegal no país, sobretudo de terras indígenas, como a Munduruku ou a Apyterewa, território mais desmatado do Brasil durante os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nesta última, atualmente, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realiza uma operação para expulsão de invasores não só garimpeiros, mas também madeireiros e fazendeiros. A ação, no entanto, vem sofrendo pressão de políticos paraenses e foi paralisada na última semana.
EMPRESA AFIRMA CONFIAR NA REGULARIDADE DOS PROCESSOS
Em nota, a Fênix afirma que “confia plenamente na regularidade de seus processos, e já está tomando todas as medidas cabíveis para esclarecimento dos fatos e contribuição com as autoridades”.
Sobre a relação com a cooperativa investigada pela PF, a empresa diz que não realizava negociações com ela “há pelo menos oito meses [quando a operação foi deflagrada], visto que nossos procedimentos de compliance que vão além daqueles exigidos por lei e citados na investigação identificaram atipicidades nas operações”.
A Fênix ainda afirma que imagens de satélite vão no sentido contrário do que diz a PF e apontam que o “título minerário era compatível com a capacidade produtiva estimada para a área” e que não identificou, à época, “atipicidades que pudessem levar à conclusão de que haveria qualquer atividade de esquentamento de ouro”.
“Por fim, destacamos que não existe um sistema infalível de prevenção a ilícitos. Mesmo grandes instituições sofrem diariamente com a utilização de suas estruturas por pessoas mal-intencionadas.”
FABIO SERAPIÃO E JOÃO GABRIEL / Folhapress