Kevin Saunderson e Kerri Chandler vão até a raiz da eletrônica no The Town

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Num vídeo disponível no YouTube, o DJ americano Kerri Chandler aparece sozinho, fazendo uma de suas seleções de house music que passeiam por linhas ornamentadas de piano e percussões em várias camadas.

Ali pelas tantas, surge ao seu lado uma empilhadeira pilotada por um operário. O artista estava numa fábrica, ambiente tão natural para ele quanto para sua música, a eletrônica.

“Quando era mais jovem, eu trabalhava como soldador e nunca deixei de fazer música como DJ e produtor. Acho que ser soldador influenciou minha música”, diz Chandler, de um quarto de hotel em Londres. DJ do tipo “globetrotter”, daqueles que atravessam o mundo entre clubes e pistas, o artista será uma das atrações principais do palco de música eletrônica do The Town. O destaque só será dividido com Kevin Saunderson, outro nome icônico das pistas que volta ao Brasil para se apresentar no festival.

Chandler e Saunderson estão separados por alguns anos, quilômetros e batidas. O primeiro nasceu quase nos anos 1970 em Nova Jersey, próximo a Nova York, cidade que acolheu os primórdios orgânicos da música eletrônica de pista, o house. O segundo nasceu em meados da década de 1960, em Detroit, berço da indústria automotiva e que originou os mecânicos da música eletrônica de pista, o techno.

No The Town, as apresentações de ambos estão separadas por apenas 48 horas. No espaço de dois dias será possível ver dois dos mais canônicos representantes dos gêneros que foram essenciais na origem e na ascensão da música eletrônica –guarda-chuva de sons que é elemento incontornável da música popular.

“Na minha área, a house music sempre foi popular. Havia por ali o Club America, o Club 808, o Shelter, o SoundFactory”, diz Chandler. Nomes incontornáveis em qualquer registro sobre a house music, os clubes foram local de experimentação de artistas e do público. Entre o fim os anos 1980 e 1990, a house era espaço de acolhimento para populações marginalizadas nos Estados Unidos, como negros, latinos e integrantes da comunidade LGBTQIA+.

Hoje, os públicos de artistas como Saunderson e Chandler são diversos e atravessam países e gerações. “Minha plateia costuma ser bem jovem”, diz Chandler. “Já conheci gente na pista que me disse coisas como ‘minha mãe escutava seu som’. E às vezes vejo gente de 60, 70 anos curtindo. É quase como se ainda fosse algo familiar, como antigamente.”

Outra mudança que Chandler observa é o tamanho das pistas, que há um bom tempo adentraram a roda da indústria. Desde o Second Summer of Love, período que marcou a ascensão da eletrônica no Reino Unido nos anos 1980, a popularidade de DJs só cresceu.

A última década acentuou o processo com ferramentas de produção cada vez mais acessíveis. A expansão não veio sem fissuras. Nos últimos anos, o debate da música eletrônica atravessa o lugar dos artistas negros na indústria.

Em entrevista à revista americana Billboard, em 2020, Saunderson afirmou que “pessoas negras não sabem que o techno veio de artistas negros”.

Ele retorna ao Brasil com o Inner City, grupo com quem ganhou fama no fim dos anos 1980 com as faixas “Big Fun” e “Paradise”. As produções foram seminais para o techno, abrindo caminho para uma abordagem mais pop e para outra mais dura -ambas exploradas por Saunderson, que tem o filho em sua banda.

“Eu não sou só negro. Sou uma mistura”, afirma Chandler. “Eu acho que a música vem de todos os lugares. É uma mistura de tudo. Música é feita para unir as pessoas.”

Na mistura de Chandler cabem fraseados de pianos simples e belos, vocais cheios de paixão e compassos longos, com acordes de sintetizadores que levam o ouvinte pouco a pouco ao seguinte estágio da dança -a calma, a tensão, o clímax.

Seu estilo foi essencial na fundação do deep house, veia mais soturna da house music.

Chandler não faz promessas sobre o que prepara para seu set no festival. Segundo ele, a arte da discotecagem ainda reside em um jogo de pergunta e resposta com o público que ganha forma no ato.

Faixas de sucesso como “Rain” e “On My Way”, diz o DJ, contam histórias -aquela, sobre um dia de chuva; esta, sobre uma volta para casa depois do trabalho. “Meus sets também são assim. Eu sempre estou contando uma história.”

FELIPE MAIA / Folhapress

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