Lalalli Senna fez resgate das memórias de infância para construir ‘Nosso Senna’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os 30 anos da morte de Ayrton Senna, completados na última semana, levaram fãs, equipes de F1 e personalidades do automobilismo a prestar homenagens no Brasil e pelo mundo. Passadas três décadas do acidente fatal no GP de San Marino, é firme a memória a respeito do piloto, mesmo para quem era bem jovem.

É o caso de Lalalli Senna, que tinha oito anos quando morreu seu tio. Ela é autora da escultura espelhada “Nosso Senna”, inaugurada em 2022, na comemoração de 50 anos da F1 no Brasil, e ainda exposta no autódromo de Interlagos, em São Paulo.

“Ele era muito presente”, disse Lalalli, à Folha de S.Paulo, recordando a convivência com o parente famoso. “Ele combinava que ia fazer uma coisa e fazia. Tem gente que não é assim.”

A artista contou que gostava de assistir repetidas vezes ao filme “Bela Adormecida”, da Disney. Ayrton percebeu isso e prometeu trazer fitas em inglês dos desenhos para sua sobrinha, além de se divertir, aprender inglês.

“Meses depois, ele voltou com uma mala inteira cheia de fitas da Disney. Ele carregou aquele peso todo para que eu pudesse assistir ao mesmo filme um milhão de vezes em inglês. Ele pensava em todo o mundo. Ele tinha isso e foi isso comigo, mas era com outras pessoas também. Ele realmente era muito carinhoso, muito presente”, recordou.

Anos depois, Lalalli trilhou seu caminho no mundo das artes. Ela mergulhou em composições musicais, aventurou-se nas artes plásticas e chegou a estudar com Glenn Vilppu, artista que foi professor justamente no Walt Disney Studios, além de ter atuado na Marvel Productions e na Warner Bros.

Por causa da formação acadêmica, da experiência no ambiente artístico e das memórias que tinha de Senna, a artista recebeu uma solicitação de sua vô, Neyde, mãe do tricampeão. “Minha avó me fez o pedido de realizar uma obra que pudesse trazer de volta a memória que ela tinha do Ayrton.”

Lalalli hesitou antes de topar o desafio. “Eu não me formei para ser retratista. Nem tinha feito retrato nenhum. Já fiz figurativo, mas eu não tinha feito um retrato tão específico para ninguém”, afirmou, antes de se surpreender com o processo artístico de “Nosso Senna”.

“A arte me faz entrar em um nível muito profundo de conexão com os meus sentimentos e com as minhas memórias e resgatou para mim coisas que eu nem sabia que eu sabia.”

Para exemplificar o processo de resgate durante a criação da obra, Lalalli contou que errou várias vezes enquanto preparava o rosto de Ayrton. “Fazia a boca, ela ficava torta. Então, eu arrumava, amassava, desfazia e refazia. Foi na terceira ou quarta vez que me veio: a boca dele era torta. Eu não lembrava, mas é verdade”, disse.

“Eu sabia disso sem saber. O meu corpo sabia disso sem eu saber. É muito bonito ver como a gente conhece muito mais do que a gente sabe. Tomei consciência de coisas de que eu não lembrava. O rosto dele com tantos detalhes estava inconsciente para mim, mas estava lá.”

Aceitar o pedido de dona Neyde fez a artista reconectar-se com sua memória de infância. Segundo ela, pelo fato de o retratado ser uma pessoa com a qual a artista tinha uma forte conexão, o resultado final foi uma expressão singular.

“Eu sabia que seria difícil, porque o rosto dele já era difícil para outros artistas. Mas, de alguma forma, algo em mim respondeu com uma coisa que eu mesma não sabia que era possível, que eu esperava. Foi um conforto para mim, foi um presente para mim mesma poder fazer esse resgate”, afirmou.

O busto, que tem 3,5 m de altura e 550 quilos, foi feito em alumínio polido e facetado, o que gera uma dimensão de espelhos. “É para que as pessoas se sintam refletidas ao olhar para essa figura que é mais do que um campeão, é uma quase uma força motriz dentro de nós”, explicou.

A posição da escultura no autódromo é estratégica: o setor A, conhecido pela ótima visão para a pista e por ser onde os fãs mais tradicionais de F1 tendem a ficar nas corridas.

“Mesmo não estando mais aqui, ele pode estar vivo como um símbolo”, observou Lalalli.

MARIA CLARA CASTRO / Folhapress

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