SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Larri Passos, 67, conta ter rido sozinho ao ler uma mensagem enviada pela filha mais nova na última semana.
“Oh, shit”, disse Sofia, com quem mora em Naples, no sudoeste da Flórida, nos Estados Unidos.
O palavrão da jovem de 16 anos, que cresceu na América do Norte, foi uma reação ao sorteio do Australian Open. Logo em sua primeira partida na chave principal de um Grand Slam, João Fonseca, 18, enfrentaria o russo Andrei Rublev, nono colocado no ranking mundial.
“Não se preocupe, ele vai ganhar”, respondeu Larri. Surpresa, ela questionou se o pai tinha certeza: “Are you sure?”. Larri repetiu as palavras.
A convicção do técnico e mentor de Gustavo Kuerten, número um do mundo por 43 semanas em 2000 e 2001 e vencedor por três vezes do Aberto da França, no complexo de Roland Garros, confirmou-se na última terça-feira (14). Fonseca bateu Rublev por 3 sets a 0.
“O João é um tipo que posso chamar assim: sem buracos. O trabalho feito com ele até aqui é praticamente perfeito. Tem uma técnica fluida, não faz esforço antes do tempo. Ainda fez alguns ajustes no primeiro saque, o que lhe deu mais consistência. Defende muito bem, ajusta os pés como poucos. E só faz isso porque tem uma leitura maravilhosa quando a bola sai da raquete do adversário”, disse à reportagem.
Larri acompanhou Gustavo Kuerten, o Guga, desde os 12 anos. Foi com Passos como técnico que o tenista conquistou seus grandes títulos. Eles tiveram um desentendimento em 2005, antes de reatar a parceria em 2006.
“Desde pequeno tive que trabalhar muito com Guga essa questão da energia, de não estar tenso quando tocar na bola. Vamos usar só 40% antes, dizia. Isso no João já é mais natural. Precisei fazer milhões de exercícios para ajustar isso com o Guga, encurtar o swing [amplitude do movimento]. Dá para sentir o João conectado com a bola o tempo todo, isso é especial dele”, afirmou.
Segundo Larri, há semelhanças no temperamento dos dois. “O sorriso e a maneira de se relacionar com o mundo externo são bem parecidas. Ambos são carismáticos, mas sem deslumbre. E o João carrega algo que o Guga tinha: não se apequenar contra ninguém. Só quer jogar.”
A análise feita pelo experiente treinador ainda ocorre a distância. Por morar nos Estados Unidos, o gaúcho não conseguiu assistir in loco a um jogo do novo prodígio do esporte.
Para ele, porém, a derrota sofrida para o argentino Mariano Navone em fevereiro do último ano, nas quartas de final do Rio Open, influenciou diretamente no melhor momento da carreira do jovem. Na ocasião, mesmo jogando em casa e empurrado pela torcida, permitiu a virada do rival.
“Quando me falaram da derrota para o Navone, respondi: Que bom. É uma análise mais psicológica porque o argentino aplicou um enrolation nele, não estava pronto. Depois, fui ver um jogo no Challenger de Assunção e notei um nível diferente. Tomou uma escovada de 6 a 3 no primeiro set e ajustou a postura. Mostrou uma visão tática incomum. Eu disse: Adorei”, recordou.
Fonseca terminou o torneio no Paraguai com o vice-campeonato, em uma derrota para o brasileiro Gustavo Heide. No fim do ano, em dezembro, triunfou no Next Gen ATP Finals. Já neste mês, faturou o Challenger de Canberra.
“O que vejo como o grande ponto dele é o mental. Trabalho com crianças e sempre digo: foco no agora. E fica claro que o João vive isso aos 18 anos, é algo incomum e fantástico”, observou.
“Essa qualidade mental é o que mais vai ajudá-lo no futuro. Você ganha jogos com boa direita? Ganha. Com um bom saque? Ganha. Mas não se ganha sem um mental forte. Em 2001, o Guga salvou um match point contra o [Michael] Russell [nas oitavas de final de Roland Garros] porque estava pensando no agora, por isso acertou uma bola na linha. O João nunca está no f…-se para um ponto.”
Para Larri, agora, o jovem vai passar “de caçador a ser caçado”.
O início promissor já rendeu elogios de nomes como Boris Becker, Rafael Nadal, Andy Roddick, Novak Djokovic. Na partida contra Rublev, ele emplacou o “forehand” mais rápido do torneio, ao menos até aquele momento: 181 km/h.
“Com o Guga, após Roland Garros, depois de um treino em Montréal, a criançada foi para cima dele. O [tenista Thomas] Muster me falou: Cuidado. A gente não mudou a estratégia nem jeito. Eu o tirava das festas, mas ele continuava tomando picolé com os amigos”, afirmou Passos.
“A competição precisa continuar sendo o ice cream [sorvete] dele, sabe? Se estiver com o celular na mão enquanto faz o aquecimento, já não está se alongando mais. Mas dá para ver nos olhos dele que ama o que faz.”
KLAUS RICHMOND / Folhapress