RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Ernesto Geisel, presidente do Brasil em 1974, assinou sem solenidade no dia 1° de julho a lei que uniu os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
Quarto presidente do regime militar, que assumira em março de 1974, Geisel tinha a fusão dos estados como pauta pessoal, mas não conseguiu preparar uma cerimônia em Brasília. O país estava de luto oficial pela morte, horas antes, do presidente da Argentina Juan Domingos Perón.
A população tampouco deu bola para o assunto. O debate nacional era a vitória, no dia anterior, sobre a Argentina na Copa do Mundo da Alemanha. A Seleção seria eliminada logo depois pela Holanda.
O estado da Guanabara tinha apenas um município, a própria cidade do Rio de Janeiro, ex-capital federal e certa crise existencial por perder a capital para Brasília. O estado do Rio de Janeiro era formado por 64 municípios, e a capital era Niterói.
Apenas 11 dias antes de Geisel tomar posse, Emílio Garrastazu Médici inaugurara a ponte Rio-Niterói, ligando as duas capitais. Era um sinal para a fusão.
A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro foi decretada há 50 anos em rápida manobra política. Pela lei, a partir de março de 1975, os dois estados, com cerca de 4 milhões de habitantes cada um, seriam um só, unificando orçamentos, polícias, tribunais de Justiça, servidores e Assembleias Legislativas.
Um governador nomeado pelo presidente da República comandaria por quatro anos o novo estado. O escolhido foi Floriano Peixoto Faria Lima (Arena), ex-presidente da Petrobras, oficial da Marinha e aprovado pela cúpula das Forças Armadas.
O debate sobre a fusão ganhou força no final da década de 1960, através de relatórios da Fieg (Federação das Indústrias da Guanabara). A Guanabara tinha arrecadação três vezes maior do que o Rio de Janeiro.
Especialistas e políticos da época dizem que o objetivo de unir os dois estados era impor à cidade do Rio de Janeiro o estilo administrativo do regime militar. Apesar da ditadura, a Guanabara tinha, segundo políticos da época, debates mais avançados do que o vizinho Rio de Janeiro.
A fusão também caía bem ao projeto nuclear brasileiro. Em 1974 foi criada a Nuclebrás (Empresas Brasileiras Nucleares). A primeira usina entrou em operação comercial em 1985, em Angra dos Reis.
“A fusão possibilitou unidade administrativa onde seria alocado grande investimento nuclear. Com a fusão, o antigo estado do Rio entrou com o território, e a Guanabara entrou com o cérebro no projeto”, afirma o professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Helio de Araujo Evangelista, autor do livro “A Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro”.
“Quem poderia se opor [à lei da fusão] estava morto ou exilado. Houve certa gritaria de gente como Eugênio Gudin [então vice-presidente da FGV], gente da sociedade civil, mas um movimento popular, de jeito nenhum.”
Átila Nunes era deputado estadual da Guanabara pelo MDB. A partir de 1975, tornou-se deputado do Rio de Janeiro. Precisou se inteirar dos problemas de infraestrutura de mais de 60 município e das demandas do funcionalismo público.
Nunes, recordista absoluto na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) com 14 mandatos, também viu problemas de convivência durante o processo de fusão. A nova assembleia legislativa inchou e chegou a 98 deputados 41 da Guanabara e 57 do Rio.
Na legislatura seguinte, a partir de 1979, a assembleia passou a ter 70 deputados, como vigora hoje.
“O convívio no início foi muito ruim. Depois nos adaptamos, mas as diferenças eram gritantes. Não conseguíamos ter acesso a nenhuma informação do antigo estado do Rio”, diz Nunes. “Era uma política provinciana, baseada em vereadores do interior e prefeitos. Tinha até um pipoqueiro entre os deputados, cujo mandato quem liderava era o assessor.”
Havia diferenças também na infraestrutura. Até 1974, a extensão da rede de esgoto da Guanabara era de 759 mil metros, contra 241 mil metros do estado do Rio. Na segurança, a Guanabara tinha 2.421 detetives e investigadores e verba orçamentária sete vezes maior do que o estado do Rio, com 445 investigadores.
Policiais militares da Guanabara trabalhavam em viaturas mais modernas e recebiam mais. O Corpo de Bombeiros da ex-capital federal contava com 192 veículos e embarcações. O estado do Rio, com extensão muito maior, tinha 81 à disposição.
A Guanabara tinha economia baseada em serviços, enquanto o estado do Rio vivia da produção agrícola. A economia do interior ganharia tração na década seguinte da fusão, a partir do petróleo. Em 1985, uma lei federal criou a regra de repartição dos royalties do mar com estados e municípios.
A política do interior passa a ser protagonista na década de 1990. Em 1998, Anthony Garotinho, de Campos dos Goytacazes, norte fluminense, é eleito governador e emplaca, em 2002, a esposa Rosinha no Palácio Laranjeiras. Em 2014, Luiz Fernando Pezão, ex-prefeito de Piraí, no sul fluminense, assume o governo após renúncia de Sérgio Cabral.
Grupos políticos de cidades da região metropolitana têm hoje força nacional, como Waguinho (Republicanos), de Belford Roxo, André Ceciliano (PT), de Paracambi, a família de Washington Reis (MDB), de Duque de Caxias, e Washington Quaquá (PT), em Maricá.
A região metropolitana do Rio foi criada com a lei de julho de 1974, com 14 municípios. Junto a ela criou-se um fundo para o desenvolvimento do Grande Rio. O fundo deixou de existir em 1989. Desde 2018, o Instituto Rio Metrópole, vinculado ao governo estadual, é designado para pensar soluções para a região.
“A cada verão algum município da região metropolitana sofre com os efeitos das mudanças climáticas. Isso faz com que haja muitos problemas comuns, o que requer cooperação. Mas só há condição de funcionar se tiver força política”, afirma o economista Marcelo Ribeiro, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do Observatório das Metrópoles.
Ao longo das décadas, pequenos movimentos pelo retorno do estado da Guanabara pipocaram na cidade do Rio. O mais barulhento deles surgiu em 2004 e pedia plebiscito. Era liderado por ex-lideranças do PV como Alfredo Sirkis (1950-2020) e Aspásia Camargo.
Ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a economista Maria Silvia Bastos Marques defendeu, no início dos anos 2000, um desses movimentos. Ela avalia que a transferência da capital para Brasília e a fusão foram mudanças feitas sem planejamento, sem transição e que tiveram implicações profundas na cidade do Rio, especialmente na economia.
“Não acho que faça sentido debater a separação dos dois estados, mas julgo que continua cabendo a discussão nacional e o reconhecimento sobre as consequências que essas duas mudanças não planejadas e disruptivas tiveram sobre a antiga capital”, diz a economista. “E também sobre o país, pois o Rio continua sendo a imagem do país no mundo, para o bem e para o mal”, completa.
YURI EIRAS / Folhapress