BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O leilão extraordinário do Tesouro Nacional de compra e venda de títulos públicos frustrou as expectativas de ajudar a acalmar o mercado financeiro e reforçou a avaliação da necessidade de uma resposta estrutural para conter a espiral negativa das condições financeiras no Brasil.
O Tesouro não aceitou vender nenhum papel no lote do leilão nesta quarta-feira (18) e recomprou apenas 10% do volume ofertado de títulos públicos. A recompra não chegou nem a R$ 400 milhões, o que sinalizou que não houve uma demanda pelos títulos que o Tesouro aceitou adquirir de volta.
A expectativa do mercado financeiro, agora, é de que o Tesouro mude o perfil da oferta no segundo dia do leilão, marcado para esta quinta-feira (19), incluindo outros títulos, como LTNs (papéis prefixados com taxa definida na hora do leilão) com prazo de vencimento mais curto.
A bateria de leilões de três dias consecutivos de compra e venda, nos dias 18, 19 e 20 de dezembro, foi anunciada na noite desta terça (17) pelo Tesouro numa estratégia para acalmar o mercado de juros e câmbio com disparada da cotação dólar.
Desde a semana passada, integrantes do mercado pressionaram por uma ação mais forte do Tesouro do mercado de juros em conjunto com a atuação do Banco Central no mercado de câmbio vendendo dólares.
No leilão desta quarta, o Tesouro ofertou para venda um lote de 1,2 milhão de NTN-F (títulos prefixados com retornos semestrais e prazos mais longos) com vencimentos em 2029, 2031, 2033 e de 2035. Mas nenhum papel foi vendido.
Do lado da recompra de papéis, a oferta foi de 4 milhões de papéis também de NTN-F com os mesmos prazos de vencimentos. Foram recomprados apenas 100 mil títulos para cada prazo de vencimento com taxas de 15,47% (29), 15,17% (31), 14,84% (33), 14,71% (35). O total do financeiro arrecadado foi de apenas R$ 340,7 milhões.
“Na parte da venda, o Tesouro não vendeu nada, não dá para saber se teve ou não demanda, e recomprou apenas 10%. Talvez a maior pressão do mercado hoje, apesar de a gente ver a curva subindo bastante, não necessariamente estaria no prefixado, que foi por onde ele começou”, diz Daniel Leal, estrategista de renda fixa da BGC Liquidez.
Segundo ele, quando o Tesouro entra com esse tipo de operação é para algum suporte ou saída (para se desfazer do título) dos investidores. “Em outros momentos [desse tipo de ação extraordinária], o Tesouro já entrou no mesmo dia e fez vários leilões de compra e venda”, afirma o estrategista.
Havia uma expectativa de que o Tesouro também ofertasse NTN-B (títulos atrelados à inflação). “Eventualmente, ele pode entrar, por exemplo, nas NTN-Bs, que parece que tem uma necessidade de saída [de venda do papel] um pouco maior no momento do mercado com o mercado mais desafiador esse ano”, diz Leal.
Para o estrategista, quando há uma intervenção dessa natureza, ela tem que ser bem robusta, para não correr o risco do resultado não ser tão satisfatório e até mesmo deixar o mercado em uma condição até um pouco pior do que ele estava anteriormente.
“É muito cedo para falar que eles não vão fazer isso, até porque a atuação vai durar ainda mais dois dias, no mínimo, e hoje você tinha o evento do Fed [o banco central dos Estados Unidos] que acabou de divulgar a taxa deles”, completa Leal.
Para Victor Furtado, diretor de alocação da W1 Capital, o resultado foi muito ruim. “Não vendeu nada, reflete muito que o problema é estrutural e não é só mais dívida. A necessidade de recuperar a credibilidade de forma concreta está cada vez mais necessária”, diz.
Furtado avalia que os investidores já não veem um risco retorno atraente mesmo com o nível de taxas no máximo. “A solução para uma falta de demanda seria a emissão de mais moeda, e entraríamos em um cenário muito inflacionário que puxaria juros mais para cima e levaria o real a maiores desvalorizações, muito parecido com o que a Turquia viveu.”
Mesmo com os leilões programados, o Tesouro deve terminar o ano com o colchão de liquidez (reserva para o pagamento dos vencimentos da dívida) entre R$ 800 bilhões e R$ 900 bilhões, suficiente para cobertura de mais de sete meses de vencimento, o que é considerado um nível muito confortável, dado o histórico, de acordo com técnicos do governo.
Para o integrante de um grande banco, o Tesouro resiste porque avalia que estão querendo ganhar em cima dele e não está recomprando e aliviando o risco no mercado.
Há uma avaliação no mercado que o Tesouro precisa ser um pouco mais flexível com os preços. O clima é de bastante tensão porque os preços estão oscilando muito a cada minuto e o leilão demora 15 minutos para ser concluído.
Para driblar a volatilidade nesse período, os operadores colocam prêmios mais altos nesses papéis. Em condições normais, a taxa de retorno de um título oscila de 0,05 a 0,10 ponto percentual no dia. Em dias de grande volatilidade muito confuso, vai de 0,15 a 0,20. Hoje, variou 0,95.
ADRIANA FERNANDES / Folhapress