PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – O interesse em leilões de veículos atingidos pelas chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul cresceu nas últimas semanas. Destino final de carros, motos e outros meios de transporte perdidos por gaúchos, os certames atraem compradores atraídos pelo valor baixo e pelas possibilidades de recuperação.
“Quando começaram as notícias de enchente, todo mundo achava que ninguém compraria os carros. Vem sendo uma surpresa, porque está vendendo muito bem”, diz a leiloeira Liliamar Pestana Gomes. “A gente está conseguindo vender mais de 90% em cada leilão, isso é muito bom. Mostra que o mercado está aquecido para isso.”
O valor final pode oscilar entre 40% a 60% da tabela Fipe, a depender de critérios como marca, modelo, ano e estado pós-sinistro. “Tem veículos que estavam em locais onde ficaram mais sujos, tem veículos que a água chegou só até o pneu.”
O primeiro leilão, no dia 18 de junho, teve 111 veículos arrematados de um total de 120. Desde então, a média de vendas fica acima de 90%. Quatro edições já foram realizadas, e a próxima ocorre nesta quinta (4).
Como muitos proprietários ainda preparam a documentação de transferência de veículos para as seguradoras, a expectativa é de que os leilões estejam apenas começando.
Por ora, os veículos estão em um pátio de quase 300 mil km² em Nova Santa Rita, integrando o estoque de carros recolhidos após desastres climáticos ou colisões, além dos que foram retomados por bancos ou instituições financeiras.
Mais de 5.000 veículos foram encaminhados por seguradoras para a leiloeira nos últimos 30 dias, e a perspectiva é de aumento.
“Como teve a enchente, e foi um período que durou, os carros ficaram submersos mais ou menos 20 dias. Agora baixou a água e todo mundo quer retirar os veículos, então acumulou essa entrada [de veículos no pátio da leiloeira]”, diz Liliamar.
Pelo contrato feito com as seguradoras, a empresa leiloeira faz a limpeza dos veículos conforme a avaliação da sujeira, que pode ser desde uma lavagem simples para tirar o barro até a remoção de bancos, tapetes e forração para higienização externa. “Muitos carros poderão ser recuperados, a grande maioria será”, afirma..
A expansão de oficinas especializadas em restaurar carros sinistrados é sinal que compradores veem em leilões uma boa oportunidade de negócio. “Eles vão fazer uma recuperação: leva para oficina, faz todo o trabalho, e os veículos vão poder rodar”, diz.
O pátio recebe diariamente compradores em potencial para ver a extensão dos danos nos lotes à venda. “Tudo aquilo que é de enchente, o cliente compra sabendo que é de enchente. O cliente tem que ter essa clareza”.
O número de cadastrados para participar dos leilões aumentou nas últimas semanas, e tem perfil variado. “Qualquer pessoa pode comprar, então tem uma mistura de público: pessoa física, pessoa jurídica, comerciantes, lojistas, consumidor final. É um mix muito grande”.
No leilão presencial, na zona norte de Porto Alegre, o público oscila conforme o horário, ficando em torno de dez pessoas pela maior parte do dia. A maior parte fica no celular no site da leiloeira, por onde são feitos os lances.
Há quem acompanhe a transmissão pela internet de diferentes lugares do Brasil, com lances feitos em Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
O ritmo é rápido e direto: na edição do dia 27 de junho, a maior parte dos 250 lotes disponíveis foi vendida em menos de um minuto de lance no ar.
Um Gol 1.0 flex 2021 (R$ 50.246,00 pela tabela Fipe) foi comprado por R$ 29 mil, acima dos R$ 21 mil no lance de abertura. Também saiu por R$ 29 mil um Mobi Like 1.0 Fire Flex, carro da Fiat ano 2024 (R$ 62.503,00 pela Fipe).
Um Fiat Pulse 2023/2024 (R$ 100.292,00) foi vendido por R$ 53,3 mil. Uma Land Rover Evoque Dynamic ano 2013 (R$ 109.106,00) foi arrematada por R$ 49,5 mil.
Alguns poucos veículos não saíram, como um Corolla Altis Premium 2019-2020 (R$ 128.967,00), que não teve lances após a abertura em R$ 65,5 mil.
Muitos veículos de valor mais alto ainda estão sendo higienizados, um processo demorado. Segundo Liliamar, é provável que ocorra um leilão específico para veículos acima de R$ 100 mil.
Uma restrição ocorre às sextas-feiras, dia de leilão de sucatas, nos quais o único público autorizado a dar lance são CDVs (Centros de Desmanche de Veículos).
Ainda não há um número oficial sobre os danos das chuvas e enchentes em automóveis no Rio Grande do Sul.
Estimativas não oficiais da consultoria de transportes Bright Consulting sugerem que entre 140 mil a 280 mil veículos podem ter sido perdidos, entre 5% a 10% de uma frota circulante de 2,8 milhões. Leilamar diz que a maior parte desses veículos provavelmente não tinha seguro.
“No Brasil, a gente tem entre 28% a 30% de veículos segurados”, diz a leiloeira. “A gente não sabe dimensionar aqui no Rio Grande do Sul se os carros que foram afetados representam esses 28% ou 30%”
De acordo com a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), a tragédia no RS é o maior sinistro já enfrentado pelo setor no Brasil, se aproximando de R$ 3,9 bilhões. Foram 48.870 pedidos de indenizações entre 28 de abril e 18 de junho.
CARLOS VILLELA / Folhapress