BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O escritor cubano Leonardo Padura, 68, começa nesta terça-feira uma turnê pelo Brasil para divulgar “Pessoas Decentes”, romance lançado pela Boitempo, e comemorar os 15 anos de “O Homem que Amava os Cachorros” –obra em que retrata o líder soviético Leon Trótski e seu assassino, Ramón Mercader, que viveu exilado em Cuba.
Em São Paulo, Padura estará na Bienal do Livro, nesta terça, e no Festival Literário do Museu Judaico; no Rio de Janeiro, no Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil.
Em “Pessoas Decentes”, o leitor volta a encontrar o detetive Mario Conde, alter ego e protagonista das novelas policiais do cubano, agora mais velho. “Ele reaparece mais reflexivo, fazendo balanços sobre sua vida e a história recente de Cuba. É o amadurecimento natural do personagem, que acompanha o meu”, conta o autor em entrevista.
A história se passa em 2016, ano em que Cuba e Estados Unidos ensaiaram uma reaproximação, promovida por Barack Obama e Raúl Castro. Ali se vislumbrou uma abertura do regime e se questionou um possível fim do embargo. A eleição do republicano Donald Trump, logo na sequência, acabou fazendo essa iniciativa retroceder.
“Mas os meses entre uma coisa e outra foram de muito otimismo, de sonhos e intensa mobilização da sociedade. Foi muito triste ver isso se diluir tão rápido”, diz Padura.
Enquanto ocorriam na ilha o desfile da Chanel, o show dos Rolling Stones e a visita do próprio Obama, no romance de Padura acontece o assassinato de um ex-dirigente do regime cubano. Conde, já aposentado, é chamado para ajudar a resolver o caso.
O detetive aceita, mas está cada vez mais cético com relação à atuação da polícia junto ao regime. Por meio da investigação sobre o passado da vítima, Padura desvela os detalhes da atuação de integrantes do Partido Comunista nos destinos da ilha.
O morto tinha atuado como censor de artistas, escritores e cantores que se posicionassem contra o regime. Ao longo da vida, acabou com a carreira de vários deles, levando-os à prisão, ao exílio ou ao ostracismo.
Por meio desse personagem, Padura acaba oferecendo um panorama da história recente cubana, fazendo com que sejam decepcionantes até mesmo os sinais de reabertura.
Um lado lírico de Conde aparece numa seção mais nostálgica. Ao princípio do livro, ele é uma criança que admira a outro garotos do bairro que são mais desenvoltos.
É a primeira vez que ele ouve os versos: “It’s been a hard day’s night, and I’ve been working like a dog”, e que escuta o nome da banda, os Beatles. Daí surge o lado sensível para as artes do detetive sarcástico e implacável.
“Vivíamos nossa juventude atrás dos discos, das peças das vitrolas, das fitas com chiados, cada encontro com algo assim nos iluminava os sentidos”, conta Padura.
O romance foi escrito no final de 2020, quando as principais manifestações de artistas estavam sendo planejadas. No ano seguinte, em julho, a ilha viu a maior manifestação anti-regime de sua história, um dia de euforia e repressão no qual se cunhou o slogan “Pátria e Vida”, em contraposição ao revolucionário “Pátria ou Morte”.
A agitação também trouxe esperanças, antes de ser rapidamente reprimida. Aos presídios, foram levadas centenas de manifestantes como prisioneiros políticos, sem a possibilidade de defesa. Alguns acabaram com penas maiores que sua própria idade.
Ao ser perguntado sobre como vê o futuro de sua obra e de Cuba, Padura diz que Conde cada vez mais se parecerá um “escritor antigo”, referência sobre uma determinada época, e que a ilha não tem outra saída senão se modernizar.
“As carências que esse povo tem sofrido há tantas décadas não podem se eternizar, esse é um esforço que não deve ser apenas de governantes, tem que ser de todos. Não podemos ser párias e vítimas de escolhas erradas para sempre.”
Leonardo Padura na Bienal do Livro
Quando: Nesta terça (10), às 19h15, na Arena Cultural no Distrito Anhembi
SYLVIA COLOMBO / Folhapress