Lia D Castro usa o sexo e o sêmen como material para as pinturas que expõe no Masp

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um homem com a bunda de fora faz xixi num mictório -nas suas costas, estão escritas as palavras “hipocrisia” e “carne”. É uma figura feita de rabiscos, e sua sombra na parede do banheiro lembra um vulto, numa atmosfera sexy de meia-luz em que o corpo, a carne, importa mais que o rosto, a identidade.

O rapaz faz parte de um passado no qual Lia D Castro frequentava os banheirões e cinemas gays do centro de São Paulo, onde garotos de programa vendiam o corpo. Curiosa por este universo, a artista passou a se aproximar dos michês. Ela os convidava para a sua casa e, depois de 12 horas de convivência, transformava seus personagens em obras de arte.

“Eles estavam em situação de rua. Eram meninos que não tinham dente mas que tinham o pinto grande. Por isso só se prostituíam no escuro. Queria compreender quem eram aquelas pessoas”, diz Lia, sentada num banco de concreto em frente à sala onde inaugura a sua primeira exposição num museu, na qual está a série de gravuras dos michês, datada de 2013.

A partir desta sexta-feira, o Masp, o Museu de Arte de São Paulo, mostra um conjunto de cerca de 40 obras dos últimos dez anos da produção da artista, a maioria pinturas. Com quase 50 anos, Lia tem ganhado destaque graças a seu trabalho radical, que aborda questões como a prostituição, o que é ser uma pessoa transgênero e como os homens brancos se enxergam -tópicos aos quais os museus não estão acostumados.

Criada numa fazenda até os 20 anos, Lia conta ter crescido entre as ferramentas empregadas por seu pai para fazer acessórios de couro e as tintas usadas por sua mãe para pintar guardanapos. Foi só com 32 anos, contudo, que ela entrou num museu pela primeira vez.

Antes de conversar com a reportagem, a artista chega para ver suas obras expostas no Masp, um dos principais museus da América Latina, com um look que parece escolhido para esta ocasião especial -um blazer oversize e uma bolsa de mão vermelha, combinada com uma sandália da mesma cor. Ela fala rápido e passa a impressão de segurança na fala.

Um dos temas presentes em seu trabalho é a relação carnal. Profissional do sexo, Lia usa a prostituição como um fio condutor de diálogo com os homens que formam parte de sua clientela, aos quais ela questiona o que é ser branco no Brasil. “O que me interessa é eles saberem quem são, não quem somos nós, mulheres trans”, afirma.

“Eles não sabem o que é uma mulher transexual a partir de um dado científico escrito por nós. Eles sabem o que é uma mulher transexual dentro de um vídeo pornográfico de uma pessoa transexual com pessoas cisgêneras.”

Carregadas de teoria de gênero e antirracismo, as conversas são o ponto de partida para a artista pintar quadros nos quais vemos um homem nu com a cabeça no colo de uma figura feminina sentada no sofá -a personagem tem o rosto ocluso por um livro, o corpo desnudo coberto por esparadrapos brancos como se fossem a roupa. São cenas de ternura, que se repetem em vários trabalhos expostos e em nada lembram a relação sexual de uma profissional e seu cliente, embora tenham sido produzidas neste contexto.

Pintados de costas, os homens de Lia não têm rosto, porque ela afirma querer distinguir quem é quem por outras características, como o timbre da voz, o cheiro, a nuca ou a largura dos ombros. Mas ela também considera os rapazes autores das obras, tanto que quem assina as pinturas são Davi e Bruno, por exemplo, não a própria artista. Os retratados são seu clientes fixos, com quem ela mantém relações de anos.

Lia também parece testar os limites, tanto do que é pendurado na parede de um museu quanto da possível reação do público. Algumas de suas pinturas listam esperma como material utilizado junto às tintas, e outras obras emolduram camisinhas usadas por seus clientes, sujas mesmo. É tudo muito pessoal, mas ao mesmo tempo não, porque está à vista de todos.

“Quando eu uso esperma, é um processo estatístico. Ou seja, as pessoas existem porque o DNA [delas] está aqui”, ela afirma, em relação às obras. “Porque é sabido que um esperma, um sangue, um fio de cabelo, daqui 50, cem, 200 anos, a gente consegue comprovar que aquela pessoa existe.”

LIA D CASTRO: EM TODO E NENHUM LUGAR

Quando De 5 de julho a 17 de novembro. Ter., das 10h às 20h; de qua. a dom., das 10h às 18h

Onde Masp – av. Paulista, 1578, São Paulo

Preço R$ 70; grátis terças e primeiras quintas-feiras do mês

Link https://masp.org.br/visite#visit-tickets

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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