MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Documentos do processo de licenciamento para exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas apontam a possibilidade de impacto de óleo na costa de oito países, além de dois territórios da França, em caso de vazamentos. Para tentar destravar a licença, a Petrobras, responsável pelo empreendimento, diz ter feito reuniões com autoridades de cinco desses locais em 2022 e em 2023, inclusive com missões in loco neste ano.
Modelagens e simulações feitas mostram que, se houver um vazamento, o óleo pode chegar a Barbados, Granada, Guiana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago e Venezuela, além de Guiana Francesa e Martinica (ambos territórios franceses).
A dispersão do óleo ocorreria rumo às ilhas do Caribe, em razão das correntes marítimas, sem previsão de toque na costa brasileira, conforme consta em modelagens feitas em 2015 e 2022. Estudos científicos contestam essa previsão de que não haveria impacto no território brasileiro.
Desde 2013, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apontam uma necessidade de “intensa articulação dentro do Estado brasileiro e com os países potencialmente afetados pelos empreendimentos”.
“A necessária articulação internacional para fins de cooperação para contingência a vazamentos pode ter reflexos nos prazos do licenciamento ambiental”, cita um parecer de 2013, elaborado por grupo técnico com integrantes do ministério e do Ibama. “Sugere-se o início da articulação com o Ministério das Relações Exteriores o mais cedo possível no processo de planejamento do setor.”
Depois do parecer, as modelagens feitas sobre piores cenários apontaram o impacto de petróleo rumo às ilhas do Caribe, em caso de vazamentos.
O MPF (Ministério Público Federal) no Amapá -o poço almejado pela Petrobras está a 179 km da costa do estado- recomendou, em 2018, que houvesse consulta prévia a países potencialmente atingidos por efeitos do empreendimento. O Itamaraty acatou a recomendação, segundo a Procuradoria da República no Amapá.
A Folha de S.Paulo questionou o Ministério das Relações Exteriores sobre o que a pasta fez a respeito. Não houve resposta.
Em nota, a Petrobras disse que houve articulação com o ministério e que fez reuniões com autoridades de Barbados, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Trinidad e Tobago. O objetivo foi “preparar eventual resposta offshore transfronteiriça em caso de incidente com derramamento de óleo no mar durante a campanha exploratória no poço FZA-M-59”.
Houve ainda reunião com dirigentes da Agência Caribenha de Gestão de Emergências em Desastres (CDEMA, na sigla em inglês), segundo a Petrobras. A agência é intergovernamental e reúne diferentes países da região.
As reuniões ocorreram em 2022 e em 2023, conforme a estatal. Em 2023, foram feitas missões a Barbados, Suriname e Trinidad e Tobago, afirmou a Petrobras.
“Nessas reuniões, a Petrobras informou às autoridades de cada país sobre a campanha exploratória planejada para o poço e sobre as modelagens de trajetória da mancha de óleo em caso de incidente com derramamento no mar offshore”, cita a nota. “A Petrobras também apresentou os recursos de contingência previstos, entre embarcações, aeronaves, equipamentos e pessoal especializado.”
O Ibama disse, em nota, ter conhecimento de reuniões com representantes de Guiana, Guiana Francesa, Suriname e com “agentes dos países mais rapidamente atingidos por um possível vazamento de óleo transfronteiriço”. A Petrobras informou articulação feita com o Itamaraty, segundo o órgão ambiental.
“Como o Ibama não participou dessas reuniões, não tem maiores detalhes sobre as discussões”, afirmou na nota. “Seu papel como órgão licenciador é avaliar se as medidas apresentadas e articulações realizadas são satisfatórias.” O estabelecimento de acordos internacionais prévios sobre o tema não é uma condicionante para o andamento do processo, conforme o órgão federal.
Em maio, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, acompanhou parecer técnico do órgão e negou licença para a Petrobras perfurar a bacia Foz do Amazonas. Faltavam estudos que comprovassem que a exploração de petróleo não terá impacto ambiental, segundo o Ibama.
“Não se trata de um licenciamento ambiental trivial”, afirmou Agostinho, que citou em sua decisão o parecer técnico de 2013 com sugestão de “início da articulação com o Ministério das Relações Exteriores o mais cedo possível”.
A estatal insiste na obtenção da licença. Depois da negativa, uma forte pressão política dentro do governo passou a ser encabeçada pela Petrobras, que prevê o início da exploração em 2024, e pelo Ministério de Minas e Energia. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) é o alvo central da pressão.
O presidente Lula (PT) é favorável à exploração de petróleo na bacia e rejeitou encampar uma proposta da Colômbia, feita pelo presidente Gustavo Petro, para que os países amazônicos interrompam novos projetos do tipo na região. O Brasil já indicou que levará adiante a exploração de petróleo na Amazônia.
A área da Foz do Amazonas é de alta sensibilidade ambiental, como o Ibama aponta desde 2014. A região tem correntes muito fortes e movimentos de marés extremamente amplos, segundo o órgão, o que poderia limitar ou impedir estratégias de combate a eventual derramamento de óleo.
O Rima (relatório de impacto ambiental), de 2017, aponta a existência de recifes “de grande importância ecológica, econômica e social, por serem ricos em recursos naturais e estoques pesqueiros”.
O relatório, elaborado pela BP Energy do Brasil, responsável pelo projeto de perfuração antes de a Petrobras assumir o empreendimento, cita uma “alta sensibilidade de impacto” no caso de mamíferos, tartarugas, peixes, aves e atividade pesqueira artesanal.
Sobre a previsão de que eventual vazamento não impactaria a costa brasileira, o Ibama considera que “as bases e modelos hidrodinâmicos evoluíram ao longo da tramitação do processo de licenciamento, em que pese ainda haver margens de erro e limitações da ferramenta”.
A Petrobras disse que contratou empresa de referência mundial e que essa empresa utilizou sistemas modernos para modelos e projeções sobre eventual dispersão de óleo no mar, seguindo exigências do termo de referência do Ibama.
“Foram realizadas duas modelagens (2015 e 2022) e os resultados indicam que não há probabilidade de toque na costa brasileira, sendo remotíssima a probabilidade de toque de óleo na costa de outros países. Ambas as modelagens foram aprovadas pelo Ibama. O parecer do Ibama também validou que o plano da Petrobras para resposta à emergência é robusto”, afirmou a estatal.
VINICIUS SASSINE / Folhapress