SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se fosse à Marcha para Jesus pela primeira vez, o presidente Lula (PT) seria bem recebido pelo apóstolo Estevam Hernandes. Mas talvez não encontrasse um ambiente acolhedor entre fiéis, diz o religioso, que idealizou a edição brasileira do evento em 1993 e desde então só viu um líder do Palácio do Planalto participar dela, Jair Bolsonaro (PL).
“Neste momento, há um clima que pode ser hostil a ele [Lula], o que obviamente seria um constrangimento extremamente desnecessário, e acredito que se resguardar nesse sentido é importante”, diz Hernandes à reportagem, no backstage do evento.
“Caso viesse, iríamos orar por ele”, afirma, lembrando se tratar de uma praxe dispensada a governantes na Marcha pela manhã, o prefeito Ricardo Nunes foi e recebeu sua oração. “Quer queira, quer não queira, ele é o presidente.” E a Bíblia manda orar pelas autoridades constituídas por Deus, caso dos políticos eleitos em um país.
Lula enviou pelo segundo ano consecutivo uma carta ao líder, que também preside a Igreja Renascer em Cristo. Hernandes a definiu como “bonita” e “muito respeitosa”. Nela, o petista lembra que sancionou o projeto de lei que incluiu a Marcha para Jesus no calendário nacional em 2009, enquanto presidente em segundo mandato.
No texto, Lula enaltece a proporção que o evento ganhou no país. “Como cristão, sinto-me regozijado de ver a dimensão extraordinária que este evento tomou e o papel significativo que ele desempenha na vida de muitos brasileiros, promovendo valores de paz, fé, amor ao próximo e solidariedade.” O nome do “ilustríssimo apóstolo” traz a grafia errada: Hernandez, em vez de Hernandes.
Quem entregou a carta foi Jorge Messias, advogado-geral da União e batista. Ele subiu ao palco mas não leu a missiva. No ano passado, quando também representou o governo na Marcha, foi vaiado por parte do público ao mencionar o chefe.
O apóstolo apoiou Bolsonaro na eleição de 2022 e esteve com ele nesta quarta (29), em Campinas. O político do PL não irá à Marcha neste ano nem foi em 2023, tendo comparecido em seu primeiro ano como presidente, em 2019, e no último, o eleitoral 2022.
Hernandes diz que o convidou, mas entende que Bolsonaro, que ficou hospitalizado por 12 dias neste mês, esteja “muito cansado” e tenha outros compromissos.
O líder religioso especula se o candidato que apoiou no pleito presidencial passado teria a mesma força entre evangélicos agora. Acha que não, apesar de ainda ser querido por uma maioria. “O tempo desgasta muitas coisas, e a própria ausência, a inelegibilidade [de Bolsonaro], acredito que possa de alguma forma ter enfraquecido, que ele não tenha exatamente aquilo que praticamente era uma unanimidade. Acho que hoje isso não existe, mas que uma maioria muito, muito grande o apoia.”
Para Hernandes, a Marcha vem para “quebrar o radicalismo desta polaridade que temos no Brasil”. Se tantas pessoas veem crente como sinônimo de radical, diz, fazem “uma leitura errada do sentimento evangélico”.
É um segmento inclinado ao conservadorismo nos costumes, claro, mas segundo ele “não tem tabu que impeça vias para o diálogo”.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), chegou às 15h50 à Marcha e foi aplaudido ao ser anunciado. “Que alegria ver tanta gente, todo ano fica maior. Somos escolhidos. Concordam?”, disse, antes de pedir orações aos governantes.
“Nós dirigentes nos sentimos incapazes, vacilamos. Levanta seu cajado, mar vai se abrir, povo vai passar. Levante seu bastão, estenda-o sobre o mar porque ele vai abrir porque Deus nos escolheu. Nos escolheu pela sua misericórdia. Quem concorda grita amém. Continuem orando pelos dirigentes, pelo povo. Não vai ser fácil, mas temos que perseverar na oração. Maior evento religioso do Brasil, Deus abençoe cada um de vocês.”
Após a fala, o apóstolo Hernandes disse que Bolsonaro havia mandado grande abraço para todos, pois estava em missão arrecadando alimentos. “Falou que tenho missão de apoiar Tarcísio.”
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress