Líder de comunidade Osho no RS é investigado por desvio de R$ 20 milhões, tortura psicológica e curandeirismo

PORTO ALEGRE, RS E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou, nesta quarta-feira (11), uma operação de busca e apreensão na Comunidade Osho Rachana, na zona rural de Viamão, na Grande Porto Alegre (RS). O local é habitado por um grupo liderado por Adir Aliatti, 69, conhecido como Prem Milan, que prega ensinamentos do controverso líder espiritual indiano Osho, conhecido como “o guru do sexo”.

Milan é investigado pela prática de tortura psicológica, curandeirismo, estelionato e outros crimes financeiros, além de infrações contra o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo a polícia, ele também teria cometido crimes financeiros, como desvio de dinheiro, estimado em R$ 20 milhões.

A defesa de Milan, feita pelo advogado Rodrigo Oliveira de Camargo, refuta a hipótese levantada pelos denunciantes e afirma que, “desde as primeiras reportagens, se coloca à disposição das autoridades”. Milan “confia na Justiça e não se furtará de prestar todos os esclarecimentos devidos nos foros e momentos adequados. Até onde teve conhecimento dos fatos investigados, a materialidade na narrativa não se sustenta por falta de elementos”, pontua o advogado.

Em maio, a Folha de S.Paulo revelou denúncias de 16 ex-integrantes da comunidade. Eles descreveram uma rotina de manipulações, humilhações, exploração do trabalho e episódios de agressão física tratados como parte de um suposto processo terapêutico que envolvia também sexo, meditação e exercício bioenergéticos. Alegaram ter sofrido e testemunhado coerção, ameaças e extorsões.

À época, em entrevista à Folha de S.Paulo, Milan negou as acusações. Admitiu ocupar uma posição de liderança na comunidade e afirmou que as pessoas são convidadas a entrar para a Comuna —como era chamado o sítio sede da Osho Rachana, em Viamão— e o fazem voluntariamente, sendo livres para manifestar discordâncias e deixar o local quando quisessem.

A operação da Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão na comunidade, onde foram apreendidos documentos, computadores, telefones celulares e máquinas de cartão, além de fotografias. Os materiais foram encaminhados para a perícia.

Segundo a delegada Jeiselaure de Souza, o caso passou a ser investigado depois que ex-integrantes da comunidade procuraram o Ministério Público do RS relatando uma série de atos abusivos supostamente praticados por Prem Milan, cujos filhos também estão sob investigação.

Nos últimos meses, a polícia ouviu testemunhas que afirmam ter sofrido tortura psicológica e violência física, além de terem sido coagidas por Milan e outros integrantes da cúpula da Osho Rachana a contrair empréstimos bancários, cujos valores eram entregues para a comunidade.

A Polícia Civil estima que o autointitulado líder espiritual da Osho Rachana teria obtido e desviado mais de R$ 20 milhões. O montante teria sido usado em proveito próprio, com “viagens luxuosas”, investimento em empresas e em apostas online, segundo a delegada.

Famosa pelas agendas e caderninhos coloridos que seus integrantes vendiam em cafés e bares de várias capitais do Brasil, a comunidade Osho Rachana recebia recursos de diferentes fontes. Mas a investigação aponta que, durante a pandemia, Milan teria exigido que todos os integrantes do grupo fizessem empréstimos bancários de valores altos e passassem os valores para a comunidade. O prejuízo dos integrantes, de acordo com a polícia, é estimado em mais de R$ 4 milhões.

“Ele induzia essas vítimas ao erro para que fizessem os empréstimos e entregassem os valores para ajudar a manter a comunidade. No entanto, ele usava esses recursos em benefício próprio”, disse a delegada. “Nós continuamos ouvindo as testemunhas e acreditamos que, após a divulgação da operação, mais pessoas devem nos procurar.”

Depois que a Folha de S.Paulo revelou as denúncias do grupo de 16 ex-integrantes, recebeu áudios com depoimentos de outras 30 pessoas, que pediram anonimato.

A porta de entrada para a Osho Rachana é o centro de terapia bioenergética e meditações ativas Namastê, sediado no centro de Porto Alegre desde 1997. O local se lançou com o lema “sem tesão, não tem solução” e um cardápio de terapia e meditações. Seus terapeutas, segundo os relatos, não tinham formação em psicologia nem em psicanálise ou em psiquiatria, mas eram formados num método criado pelo próprio Milan.

Quem procurava as terapias do Namastê, em geral por alguma questão de saúde mental ou de vulnerabilidade emocional, depois passava a frequentar a Comuna.

Lá, os processos ditos terapêuticos envolviam imersões ligadas à prática de sexo livre. Há relatos da exposição de crianças que viviam na comunidade a conteúdos inapropriados.

“Os ex-integrantes narram uma série de delitos que eram praticados na comunidade, que configuram uma verdadeira tortura psicológica. Essas pessoas procuravam o local em busca de processos terapêuticos, só que, nessas imersões, o líder descobria coisas muito íntimas dos indivíduos e as usava contra eles, os envolvendo”, explica a delegada.

“Coagia as vítimas com base nas informações que obtinha nas supostas terapias, convencendo-as de que precisavam doar dinheiro, fazer empréstimos, estourar cartão de crédito. Há pessoas que entregaram carros para o grupo”, afirma.

Segundo ela, Milan “humilhava as pessoas na frente de todo mundo, chegando inclusive a praticar agressões físicas.”

Os pacotes de imersão custavam entre R$ 8.000 e R$ 12 mil, segundo a polícia. Quem decidia morar na comunidade devia pagar uma mensalidade e participar da manutenção do sítio e da venda dos produtos da Comuna.

BRUNA VIESSERI E FERNANDA MENA / Folhapress

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