JERUSALÉM, ISRAEL (FOLHAPRESS) – Autor de mais de 180 horas de interrogatório do então jovem Yahya Sinwar, hoje o poderoso e caçado líder do Hamas, Micha Koubi é pessimista em relação ao futuro da guerra na Faixa de Gaza e entre Israel e os palestinos no geral.
“Se quisermos ter sucesso, temos de ser rápidos e matar toda a liderança, desarticular o Hamas. Eles são piores que o Estado Islâmico (EI)”, diz o ex-agente do Shin Bet, o serviço de segurança interna do Estado judeu. De 1987 a 2004, ele foi o interrogador-chefe do órgão, criando uma reputação de lenda na área, com 520 palestinos interrogados.
Nessa condição ele participou do seu principal trabalho em décadas de serviço ao governo, encerradas oficialmente em 2007: a prisão de toda a cúpula do Hamas em 1989, durante operações em Gaza.
“Eles, que haviam surgido na intifada [revolta palestina] de 1987, eram diferentes. Seus líderes eram formados no radicalismo religioso da Irmandade Muçulmana no Egito”, conta, citando o grupo formado em 1928 que gestou de Osama bin Laden ao Estado Islâmico.
O principal alvo era o líder do Hamas, xeque Ahmed Iassin. “Eu o capturei meio sem querer, perto do campo de Jabalia, em Gaza. O joguei dentro do carro, numa ação em que prendemos nove pessoas”, disse.
Na cadeia, o frágil Iassin, paralisado por um obscuro acidente na infância, mostrou-se “muito inteligente”, diz o ex-agente. “Ele dizia que nunca falaria nada para mim, que eu era um porco judeu”, afirmou, desconversando sobre métodos pouco ortodoxos em uma entrevista de 2004, Koubi falou que o nível de violência era restrito a “um tapa ou dois” num interrogatório.
Sua versão é de que ele desafiou o xeque, uma autoridade religiosa que estudara no Cairo, a competir com ele sobre 12 assuntos do Corão, o livro sagrado do islã. Nascido de uma família do Norte da África em Tiberíades em 1945, fluente em árabe, Kouri diz que venceu por 12 a 0.
“Homem de palavra, ele começou a falar. Foi quando cheguei ao Sinwar, que era seu assistente pessoal”, disse. “Quando ele [Sinwar] entrou pela primeira vez na sala de interrogatório, dava para ver que não era um cara normal. Ele tinha os olhos de um assassino, não ria, não batia papo, só falava no islã.”
E como isso redundou em 180 horas de conversas? “Quando viu que as condições na cadeia ficaram melhores com sua colaboração, Iassin editou na cadeia uma fatwa [decreto religioso muçulmano] obrigando Sinwar a se abrir”, lembra Koubi.
O que o agente descobriu foi, em suas palavras, um plano análogo ao dos nazistas para erradicar os judeus da Europa. “Não por acaso, nas batidas em escolas do Hamas encontrávamos facas de borracha dadas para as crianças treinarem e cópias de ‘Minha Luta’ [o livro em que Adolf Hitler delineava seus planos já na década de 1920].”
“Eles começaram a colocar tudo em prática no ataque do 7 de Outubro de 2023. Se tivessem tido mais sucesso, chegariam a Tel Aviv e Jerusalém. Nós falhamos, porque já em 1989 sabíamos exatamente o que eles queriam fazer”, diz Koubi, que diz “conhecer Sinwar mais que o pai e a mãe dele”.
Por esse conhecimento, ele sustenta que não há paz possível com o Hamas. “O Sinwar nunca irá ceder, fazer um acordo, libertar os reféns. Ele quer matar todos”, afirmou, acerca das 97 pessoas que ainda estão com o Hamas, dos quais 64 Israel crê estarem vivas.
Koubi também critica a ideia de trocar prisioneiros palestinos pelos reféns. “Temos de ir com cuidado e soltar um a um”, disse. Ele se baseia na sua experiência com a cúpula presa em 1989. Iassin foi solto em 1997, num acordo mediado pela Jordânia, e acabou morto num bombardeio em 2004.
Já Sinwar, preso aos 27 anos, aprendeu hebraico, teve um câncer curado na cadeia e acabou entrando na maior troca da história, quando 1.027 palestinos foram soltos para que o soldado Gilad Shalit pudesse deixar cinco anos de cativeiro do Hamas, em 2011.
“Aquilo foi um erro. Sinwar planejou 75% do 7 de Outubro. Eu sabia o que ele ia fazer. Imagine se soltarmos 7.000 prisioneiros?”, afirma.
Na cadeia, Sinwar fez jus ao apelido de “açougueiro de Khan Yunis”, referência à sua cidade natal em Gaza, onde antes de ser preso decapitou pessoalmente 12 acusados de serem informantes do Shin Bet que Koubli disse serem inocentes. Preso, matou ao menos três detentos com uma lâmina de barbear.
O ex-interrogador admite que, tal e qual uma hidra, o Hamas pode ter novas lideranças mais radicalizadas com a campanha atual. O próprio Sinwar é visto como mais violento do que seu antecessor, Ismail Haniyeh, morto na capital do Irã, Teerã. “Por isso agora não podemos parar, acho que vamos demorar mais um ou dois anos em Gaza”, diz.
Ele estende sua crítica à Autoridade Nacional Palestina, comandada pela facção Fatah, que rompeu com o Hamas em 2007, mas de quem se reaproximou com a guerra. “O Abu Mazen [nome de guerra do presidente palestino, Mahmoud Abbas] parou de negociar com Israel há 14 anos. Ele sabe que um acordo final o faria ser morto no dia seguinte.”
E a guerra com o Hezbollah libanês? “Eles são a mesma coisa que o Hamas, recebem as ordens do Irã. Só que, como são xiitas, têm proximidade religiosa [com Teerã] também, enquanto os palestinos [do ramo sunita] querem o dinheiro para se armar”, disse.
“O [líder morto do Hezbollah, Hassan] Nasrallah era um radical. A agenda é a mesma do Hamas, destruir os israelenses. Lembra do [ex-presidente iraniano] Mahmoud Ahmadinejad? Eles falava em apagar Israel do mapa”, afirmou.
Ele se recusou a comentar minúcias dos audaciosos ataques com pagers e walkie-talkies transformados em bomba por Israel, mas demonstrou orgulho pela sofisticação da ação. “Não sou político, sou um patriota”, afirmou, declinando comentários sobre o governo de Binyamin Netanyahu.
IGOR GIELOW / Folhapress